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Arquitetos pegam na massa e dão exemplo

Domingo, a partir das 10h30min, uma festa da cumeeira de características originais aconteceu no bairro Tarumã, num conjunto habitacional que a Sakamori ali está construindo. Alunos e professores do curso de arquitetura da Universidade Federal do Paraná se confraternizaram, num ambiente descontraído, com mestres-de-obras e operários pela finalização de uma casa popular que foi totalmente erguida por 26 estudantes, num trabalho prático do "arquiteto construindo". Dentro de uma nova proposta de integração dos futuros arquitetos na realidade do mercado, uma das filosofias que o professor Leo Grossman levou para a chefia do Departamento de Arquitetura do Setor de Ciências Tecnológicas da UFP, o professor José Sanchotene, 39 anos, da turma de 1962 da UFPR, titular da cadeira de Composição 6 propôs aos 26 alunos do 3º ano, a tarefa de construção de uma casa popular. Durante 60 dias, jovens entusiastas - entre os quais muitas moças, habitualmente de unhas esmaltadas e mãos bem tratadas, aprenderam a preparar cal e cimento, a colocar tijolos e a erguer paredes - num trabalho prático e que "se destina, antes de tudo, a mostrar que o arquiteto está mudando a imagem de apenas conceber projetos nas pranchetas, distante da realidade", como explica Sanchotene - capaz de se inflamar ao falar desta nova forma de atuação-integração-ação dos estudantes. Ao que se saiba, esta foi uma das primeiras vezes no Brasil - e com certeza, a primeira nos 20 anos de existência do curso de arquitetura da UFP, que os estudantes levaram um trabalho prático até as ultimas [conseqüências]. Se os futuros profissionais de quase todas as áreas tem estágio e aprendizado prático, desenvolvido em indústrias, empresas, escritórios-modelos etc; os arquitetos se propuseram, agora, a não permanecer apenas comodamente nas pranchetas de escritórios acarpetados e com ar condicionado, mas, isto sim, chegarem [à] obra física, conviver com operários e mestres-de-obras, aprendendo, na prática, a melhor forma de solucionar um problema real. "Acredito que frente a uma nova realidade de mercado, em que a mão-de-obra escasseia e encarece, o arquiteto, mesmo não invadindo a área do engenheiro, tem que conhecer de fato aquilo que pretende ver edificado", diz Sanchotene, consciente também de que esta experiência desenvolvida no conjunto popular que vem sendo executado pela Sakamori Empreendimentos, não se repetirá da forma gratuita como foi feita. Afinal, no momento em que 26 estudantes se dispuseram, durante 2 meses, a trabalhar graciosamente passaram a representar uma (desleal) concorrência com os operários e se o Sindicato dos Empregados na Indústria da Construção Civil do Estado do Paraná tivessem a organização e a fiscalização existente em outros centros, teriam surgidos protestos. Entretanto, foi apenas uma experiência - que se encerrou na conclusão da unidade-piloto e se houver uma nova proposta, em 1982, o mínimo que se fará é que a empresa beneficiada com esta mão-de-obra voluntária, faça o pagamento correspondente aos empregados que nela seriam utilizados e a importância reverterá em favor do sindicato da classe. xxx Por uma (feliz) coincidência, enquanto os professores do Departamento de Arquitetura a UFPR, liderados especialmente por Grossman e Manoel Coelho, se reuniam nas últimas semanas para planejar uma série de eventos destinados a marcar o transcurso dos 20 anos de existência do curso de arquitetura da UFPR - a ocorrer em 1982, no Rio de Janeiro, o IAB/RJ, através dos arquitetos Jorge de Castro, Sandra Monarcha Souza e Silva e Eliane Paerstein, promoveu o 2o Inquérito Nacional de Arquitetura, cujos primeiros resultados ocuparam todo o caderno especial do "Jornal do Brasil", no domingo, 29. Foi há 20 anos que o então inovador Suplemento Dominical do JB (editado então - entre outros, por Reynaldo Jardim - hoje radicado em Curitiba), publicou o 1o Inquérito Nacional de Arquitetura, uma iniciativa do arquiteto Alfredo Brito. Em 10 perguntas, o inquérito permitiu o levantamento do que pensavam 23 dos mais importantes arquitetos brasileiros sobre temas que iam da estética à política. Passados 20 anos, outras 10 perguntas foram formuladas e 25 profissionais se manifestaram, reforçando o quadro da arquitetura do IAB. Com este [fórum] - em que a profissão, o ensino, política, rumos, métodos, tecnologia, Brasília, ação do BNH, urbanismo e outros aspectos são analisados, o IAB-RJ vai editar um livro que enriquecerá a bibliografia sobre arquitetura no Brasil, a qual, segundo queixa Sandra Monarcha, "não faz parte da cultura média da população". Os órgãos de divulgação dedicam a ela espaços mínimos, ao contrário do que ocorre com atividades como teatro, cinema, economia ou sociologia. Somos hoje um País de 120 milhões de habitantes, na sua grande maioria urbana vivendo em cidades, que diariamente alteram seu espaço físico com uma nova avenida, um loteamento ou um edifício. Cidades que, a um ritmo cada vez mais rápido, vêm-se transformando muitas vezes à revelia dos interesses de seus cidadãos. As taxas de crescimento dos centros urbanos brasileiros já configuram, por si só, dado de fundamental importância para um correto entendimento do papel do arquiteto dentro de nossa sociedade. "No entanto ele tem encontrado crescente dificuldade em participar, de forma efetiva, no equacionamento destas questões. O orientador e criador de soluções mais humanas tem, muitas vezes, que ceder lugar ao acrobata do código de obras ou ao viabilizador de programas habitacionais e econômicos nem sempre tão humanos", frisam os arquitetos Jorge Castro e Sandra Monarcha. Dentro deste quadro, a arquitetura foi-se distanciando, para o grande público, dos seus objetivos mais nobres para ser encarada como algo de tom decorativo, modista, enfim uma questão de "bom gosto". Encarados pela opinião pública como prestadores de serviços a uma clientela seleta, os arquitetos se ressentem da inexistência de um debate sobre a evolução de sua profissão. xxx Assim, a coincidência do IAB-RJ promover o 2º Inquérito Nacional de Arquitetura, com uma preocupação de um núcleo de profissionais do Paraná, professores da UFP, em sedimentarem uma nova filosofia de atuação é das mais interessantes. A proposta que o Departamento levou ao professor Alcy Ramalho, chefe do setor (e candidato a reitor, na lista sêxtupla oficial) poderá fazer, se aprovada, que 1982 marque uma série de eventos necessários para um debate, em alto nível, do arquiteto e da arquitetura no Paraná. Pela primeira vez em duas décadas, o curso de arquitetura reivindica uma verba especial para promover exposições, cursos, conferências, debates e a edição de um "documento", resenha-ensaio da arquitetura no Paraná a partir de 1961, com detalhada análise do que aqui aconteceu nesta área onde, através de trabalhos de dezenas de profissionais, obteve-se um conceito reconhecido nacional e, mesmo, internacionalmente. Muitos profissionais formados pela UFP a partir de 1962 - ou aqui se fixando, vindos de São Paulo, Rio ou Belo Horizonte, deram uma contribuição importante, com premiações nos mais difíceis concursos. xxx Dependendo agora, única e exclusivamente, da sensibilidade do professor Alcy Ramalho - engenheiro de formação as dirigindo o setor ao qual o Departamento de Arquitetura está subordinado - em defender a aprovação dos recursos necessários, os 20 anos de existência do curso poderão ultrapassar apenas as nostálgicas comemorações dos profissionais aqui formados, para um amplo (e necessário) debate da contribuição que o curso e seus formados deram a Curitiba, ao Paraná e ao Brasil. Um campo amplo e rico, pois como frisou domingo, o JB, a propósito do 2o INA, "existem também as muitas manifestações arquitetônicas produzidas por não arquitetos, como favelas, loteamentos clandestinos etc; que têm marcado decisivamente a paisagem em que vivemos".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
01/12/1981

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