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Aramis

Araken, um homem que amava o mundo

Paraná, abril de 1971, Haroldo Leon Perez substitui Paulo Pimentel no Governo e inicia uma administração de ódio e perseguições. O ESTADO é o único jornal a enfrentar o udenista que se julga dono do mundo. Poucos jornalistas se acorajaram a assinar colunas críticas denunciando as irregularidades da nova administração - que poucos meses depois levaram o então presidente Médici a obrigar a sua "renúncia". Em Londrina, onde residia na época, Araken Távora assume o desafio. Não só na TV-Tibagi, de cujo departamento de notícias fazia parte, mas nas páginas de O ESTADO, assina por meses uma coluna corajosa, independente, levantando diariamente graves fatos que aconteciam naqueles tempos. Jornalismo é oposição, o resto são secos e molhados - já ensinava Millor Fernandes. Araken foi sempre um JORNALISTA com letra maiúscula. Curitiba, bar do Araucária Palace Hotel, inverno de 1983. Entre um drink e outro com seu amigo Fernando Sabino - que havia trazido à Curitiba para inaugurar o projeto Encontro Marcado, Araken conversa com o atencioso garçom Euclides, que o serve. Ele fala de seus projetos de trabalhar em hotéis internacionais e lamenta que não tenha condições de custear um curso de inglês. Araken pede o telefone, faz três chamadas e minutos depois diz: "Euclides, já conseguiu uma bolsa para você estudar inglês de graça. Mas aproveite bem!" Araken era assim! Para ele o mais poderoso dono do poder não o assustava mas tudo faria para auxiliar uma pessoa que dele se aproximasse. xxx Redação da revista "Panorama", Rua Saldanha Marinho, 9 de setembro de 1969. Araken chega do Rio de Janeiro, entusiasmado com o material que traz em sua maleta 007. Reúne-se com José Curi, Luís Carlos Zanoni, Carlos Alberto Maranhão e eu - na época editores da revista que o professor Adolpho Soethe havia fundado 19 anos antes - e propõe: - "Vamos fazer um número extra sobre o seqüestro do embaixador Charles Burke Elbrick. Estou com todo o material para montá-lo em menos de 24 horas". Entreolhamo-nos surpresos. Afinal, a censura estava braba, a situação tensa e até a pena de morte contra os seqüestradores havia sido aprovada pela junta militar. Fazer uma publicação sobre um assunto acontecido há apenas 7 dias e cuja cobertura autorizada havia sido mínima era um desafio para uma revista regional, enfrentando sérios problemas financeiros. Jornalisticamente, Zanoni, Maranhão e eu achamos a idéia importante, corajosa mas temerária. Curi, este grande editor que o Paraná teve, amigo de Araken há 20 anos, como sócio majoritário, deu o voto decisivo: - Vamos fazer e ver o que acontece! Dois dias depois, a edição extra de "Panorama" estava nas bancas. Foi um sucesso. Cinco anos antes, uma semana depois do golpe militar que depôs o governo João Goulart, Araken já tinha pronto os textos e reunido fotos para o primeiro livro-reportagem sobre aquele fato: "Brasil, 1º de abril" chegou às bancas e livrarias quando os militares caçavam milhares de adversários em todo o Brasil. Para Araken, jornalismo era o aqui e agora. Na boca-do-forno dos acontecimentos. xxx Porto Alegre, primavera de 1986. O projeto Encontro Marcado, patrocinado pela IBM, já está consolidado: inicialmente previsto para algumas universidades do Rio-São Paulo, a idéia de levar escritores famosos para palestras-debates com um público jovem, especialmente, havia dado certo. Em seu espírito prático, com a experiência de produtor de uma série premiada em 1980 com o Golfinho de Ouro (MIS/RJ) na TVE - "Os Mágicos", Araken realizava sobre cada escritor convidado um vídeo biográfico, que exibido antes da palestra, dava ao público informações básicas e opiniões objetivas da personalidade que falaria e dialogaria a seguir. Poupava tempo e preservava em imagens um pouco da vida e obra de escritores como Sabino, Lígia Fagundes Telles, Paulo Mendes Campos, Antônio Callado e mais 40 outras personalidades de nossa vida literária e jornalística que integraram o projeto. Faltava, no projeto, entretanto a presença do poeta maior Mário Quintana. Assim, Araken abriu uma exceção - considerando o estado de saúde do autor de "Esconderijo do Tempo" e o filmou no Hotel Majestic, sua residência oficial por mais de 20 anos. O material foi tão bom que resultou além do vídeo, num livro - distribuído nacionalmente. Assim, se o lírico poeta gaúcho não pode viajar Brasil afora dentro do projeto, ao menos sua voz, imagens e palavras escritas - numa das mais profundas entrevistas - chegaram a milhares de pessoas. Afinal Araken foi sempre um poeta. Enrustido e só mostrando seus versos calibrado por scotch e, principalmente, paixões. Curitiba, março de 1987, Araken, feliz pela escolha de um amigo de muitos anos, o advogado René Dotti, para a Secretaria da Cultura, o procura para, ao contrário de 90% dos que cercavam, lhe dizer: - "René, como posso ajudar a administração cultural do Paraná?" E Araken ajudou muito. Promoveu exposições junto ao Museu Nacional de Belas Artes - que assessorava na época, coordenou seminários, possibilitou uma integração da inteligentzia do eixo Rio de Janeiro - onde residia há mais de 15 anos - com o Paraná, sua terra natal, nascido que foi em Ribeirão Claro há 56 anos. Com um pagamento praticamente simbólico, muitas vezes tirando dinheiro do bolso para generosas esticadas etílico-gastronômicas, Araken nunca, em momento algum de sua vida, preocupou-se em termos pessoais. Para ele, fazer algo, ajudar fosse uma instituição, um artista ou um simples garçom, fazia parte da vida. xxx Lembranças como estas - e dezenas de outras aqui seriam relatadas se houvesse espaço - chegam neste momento em que, com uma semana de atraso, vem a notícia da morte anônima de Araken Távora, na piscina de um apart-hotel no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro, onde estava vivendo - em voluntária solidão, afastado de seus tantos e nobres projetos, da esposa Hermínia e dos amigos que soube fazer. Para que repetir obituários? Tarefa cada vez mais sofrida, quando tantos e bons deixam nosso mundo. A obrigatoriedade da alegria em festas programadas de (hipócrita) felicidade, visceralmente cortando os muitos puros, os muitos bons, os que tem alma de pássaro e poeta, atingiu Araken - cuja morte, apesar de toda uma vida dedicada ao jornalismo e as atividades culturais, não teve, até agora, o registro merecido. Entre 31 de dezembro e o início de 1º de janeiro, Araken morreu no Rio de Janeiro. Sozinho, em uma noite em que oficialmente todos tinham obrigação de comemorar. Comemorar o quê? Anjo da morte, que desce em dezembro, levando pessoas tão queridas como do também jornalista (e médico) Percyval Charqueti (25/12/85), o último modinheiro Paulo Tapajós (29/12/90) e o médico Felix do Rego Almeida (29/12/91) levou também Araken Távora. Um homem que amava as pessoas - e especialmente as mulheres, ele que sempre, na melhor forma de Vinícius, sempre assumiu suas paixões (inclusive a grande Maysa, uma de suas aventuras mais bonitas) - deixa menor o nosso mundo - não custa repetir! Sua obra - vídeos, filmes (inclusive uma série sobre artistas plásticos), milhares de reportagens, livros - espalhada e merecidamente reconhecida atestam um homem que viveu intensamente - para o próximo, para a vontade de dizer e fazer aquilo em que acreditava. LEGENDA FOTO - Araken Távora, antes de tudo um grande jornalista e animador cultural.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
07/01/1992

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