Apesar dos problemas, Rio Cine mostrou resistência
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 23 de novembro de 1990
Rio de Janeiro - sem contestações e pálidas críticas à política cultural do Brasil Novo, com algumas afirmações de que "como superamos os anos da ditadura, também daremos a volta por cima nestes dias de crise" - nas palavras do cineasta Denoy de Oliveira, a festa de entrega de muitos prêmios do RioCine Festival teve presença e ausências. Como a escolha dos premiados de longa-metragem foi feita com base em filmes exibidos entre agosto-89 e julho-90, os cinco indicados nesta categoria já haviam sido premiados em outros festivais (a partir de Gramado -89), lançados nacionalmente e estão a disposição em vídeo. Assim, com exceção da melhor atriz coadjuvante (Imara Reys, por "O Grande Mentecapto"), nenhum dos 10 premiados apareceu . O ator José de Abreu, do elenco de "Doida Demais", presente no Cinema I, até reclamou da ausência dos colegas e saiu correndo com os Sol de Prata que recebeu em nome de Valéria Mauro (edição de som), Clóvis Bueno (direção de arte), Antônio Mendes/César Charlone (fotografia) e Victor Biglione (trilha sonora).
Nem mesmo Lúcia Murat, diretor do melhor filme ("Que Bom Te Ver Viva") compareceu: o Sol de Ouro foi entregue a sua filha, Júlia, 12 anos.
Em compensação Ugo Giorgetti subiu cinco vezes ao palco para receber as premiações que "Festa" mereceu, repetindo o sucesso de Gramado, há 18 meses: direção, ator coadjuvante (Otávio Augusto), montagem (Marc Derossi), figurino (Isabel Giorgetti) e roteiro. Também os artistas principais premiados não estavam presentes: Irene Ravache ("Que Bom Te Ver Viva"), Diogo Vilela ("O Grande Mentecpato") e Wagner Tiso (que se encontra na Espanha), premiado pela música de "O Grande Mentecapto".
Após a projeção dos curtas "Arabesques", de Eliana Caffé (premiado em Gramado), e "Memória" de Roberto Hakim (premiado em Brasília), a entrega dos prêmios iniciou de forma descontraída. Walkíria Barbosa, diretora do Centro Cultural RioCine e que organiza o evento há 6 anos - "num trabalho entusiástico", como disse o presidente da Riotur, Trajano Ribeiro -, fez um desabafo: apesar de todas as dificuldades - desde conseguir recursos (o evento custou US$ 400 mil) até problemas inesperados de última hora, o Festival aconteceu como (mais uma) prova de resistência do cinema e vídeo. Ampliado em 23 eventos paralelos espalhados por várias salas e auditórios (Cinemateca, Centro Cultural Banco do Brasil, Casa Laura Alvim, Magnetoscópio, Cine Clube Estação Botafogo, Planetário e nas unidades do Sesc em Engenho de Dentro, Madureira e Tijuca), o Festival perdeu, no dia de sua abertura, o cinema-sede. Absurdamente um juiz carioca mandou lacrar o Cine Ricamar, que há anos vem sofrendo um processo de despejo da proprietária do prédio contra a Cooperativa de Cinema, que o explora. A coincidência desta decisão - privando um evento da sala em que teria lugar a mostra internacional - foi no mesmo dia em que os jornais davam como manchete a absolvição dos acusados da tragédia do Bateau Mouche. A única alternativa foi transferir as sessões de 35mm para o Cinema I, que iria entrar em reformas para se integrar à cadeia de cinemas de arte do Cine Clube Estação Botafogo. Com problemas de som em seus aparelhos, cheiro de mofo, localizado na rua Prado Júnior (exatamente na quadra em que David Neves rodou "Fulaninha"), o cinema teve pouco público devido à mudança de última hora. Apesar disto, o Festival aconteceu e, no final, após a projeção de "Ay, Carmela" de Carlos Saura (indicado ao Oscar-91, pela Espanha, como melhor filme estrangeiro), o clima, nos salões do Hotel Glória era de confraternização. Premiados e não premiados trocavam endereços e despedidas afetuosas, e mesmo o paranaenses Bolinha, Palito, Werner Schulmann e Geraldo Pioli - não se importaram pelo fato de seus filmes e vídeos concorrentes não terem sido premiados. Pabla Alessandra e Jorge Brunetti, também de Curitiba, que tiveram o vídeo "As Crianças Não Choram" em competição, nem apareceram no Festival. Já Mauro Faccioni Filho, de Maringá (mas radicado em Florianópolis), que também concorreu com "O Mau Selvagem", não foi: mandou em seu lugar sua bela esposa, Patrícia.
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