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Aramis

Altos e baixos do Festival de Jazz

São Paulo, setembro - Há muito que os puristas de jazz já reclamam da invasão elétrica na música que nasceu em Nova Orleans no final do século passado, pelas correntes do rock, pop e até o punk - este, hoje absorvido até pelo nosso conhecido Raulzinho, trombonista brasileiro há 8 anos radicado nos EUA e que na noite de quinta-feira apresentou-se no Anhembi, com um conjunto de jovens instrumentistas, mostrando sua nova fase de criação (que pode ser observada no LP "Don'T ask my Neighbours", Capitol, setembro/78). E justamente os critérios de separação do jazz tradicional com as novas correntes têm sido um dos pontos mais criticados neste festival. Vários estudiosos presentes - entre os quais José Domingues Raffaelli e Luiz Carlos Antunes, do Rio de Janeiro, não entenderam bem o que teria a fazer numa mostra de jazz um grupo como o Taj Mahal, que se apresentou no sábado, entre Victor Assis Brasil, saxofonista e pianista, este sim o músico brasileiro que mais se dedica ao jazz, e o sexteto do envelhecido Stan Getz, mais conhecido pelo seu sopro romântico que ajudou a promover a bossa nova, via "Garota de Ipanema", com as vozes de João Gilberto e Astrud, nos EUA, no início dos anos 60. O próprio coordenador de eventos especiais, Zuza de Mello, um dos responsáveis diretos pela programação artística, suspirou aliviado quando ficou confirmada a desistência de Gilberto Gil participar do festival (o baiano está nos EUA, trabalhando em seu primeiro LP para a Wea). Embora tenha tido uma colorida participação no Festival de Montreaux, há dois meses, poucos dos estudiosos de jazz, em termos mais profundos, incluem neste gênero a sua música. idêntico caso é o de Milton Nascimento, excelente compositor e cantor de méritos inegáveis, mas que também pouco ou nada tem em comum com o jazz. Pontos como estes são bastante comentados entre os jornalistas participantes do I Festival Internacional de Jazz, promoção que custa à Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia de São Paulo um investimento de mais de Cr$ 8 milhões. Ao lado dos aspectos positivos, de grande significado deste evento que se realiza principalmente graças ao entusiasmo do secretário Max Feffer por jazz (ele próprio um músico amador), há algumas falhas irritantes em termos de organização. Tratando-se de uma promoção custeada por recursos oficiais e transmitida tanto pela TV Cultura como a Rádio Cultura - podemos assim ser, comodamente, gravada pelos interessado, em suas residências, dentro do auditório principal, funcionários da coordenação tem atitude policialesca, não só com o público que pagou ingresso de Cr$ 50,00 a Cr$ 300,00 por apresentação) mas incluindo jornalistas, no que diz respeito a gravações, mesmo aparelho minicassete, sem oferecerem maiores condições de registros. São apreendidos de forma arbitrária pelos funcionários da segurança, num comportamento considerado por jornalistas presentes como contrário inclusive aos objetivos da mostra, qual seja o de difundir, o mais amplamente possível, o jazz. Os jornalistas credenciados têm tido grande dificuldade de acesso aos músicos, inclusive os brasileiros; embora estes se mostrem gentis e atenciosos, são isolados antes, durante e depois dos espetáculos. No final de cada sessão, principalmente à noite, mesmo os mais esforçados jazmaniácos, a maioria falando inglês e alguns até amigos pessoais de certos instrumentistas, têm sido impedidos de cumprimentar os músicos. Para o grande público, então, não existe a menor possibilidade de relacionamento. Músicos que participaram do Festival de Montreaux, como o percussionista Djalma Correa (que se apresenta amanhã com o tecladista Patrick Moraz, ex-Yes, hoje residindo no Rio de Janeiro) dizem que no festival de Montreaux havia muito maior espontaneidade, com os jam-sessions, contando com a participação de diferentes conjuntos, se alongando por muitas horas. Aqui, os contatos são reduzidos, inclusive porque no bar privativo dos artistas e jornalistas, o arrendatário (Hotel Eldorado, onde todos ficaram hospedados) cobra preços absurdos: Cr$ 35,00 por um sanduíche de pão-de-forma que não vale mais do que Cr$ 7,00. Se a abertura do festival, na segunda-feira, foi com instrumentistas dos mais criativos - Astor Piazzolla e quinteto, o saxofonista Benny Carter acompanhado pelo trio do pianista Nelson Ayres, a excelente "University of Texas at Arlington Jazz Band" e Dizzy Gillespie e Trio, quase um hapenning jazzístico, na terça-feira o nível caiu bastante: o grupo de Wagner Tiso apresentou uma fusão do forró ao pop, com muita habilidade instrumental, destacando presença de músicos ótimos como Mario Sianise (que voltou a tocar na sexta-feira, com Academia de Danças, de Egberto Gismonti), mas sem encontrar o clima ideal. Houve mesmo problemas para ensaiar, com certos privilégios aos músicos de Etta James, cantora que a Wea está lançando agora no Brasil - e que embora cantando há mais de 20 anos é ainda pouco conhecida fora de algumas áreas musicais nos EUA. Seu estilo de cantar blues de forma eletrificada, quase irritante, influenciou Janis Joplin (1943-1970), fato lembrado em todas as suas biografias. Sua apresentação, terça-feira foi bastante criticada por amplas faixas de público. Já o cantor Al Jarreau, que consegue vocalmente repetir quase todos os efeitos de instrumentos de sopro e percussão, foi, em compensação, o ponto alto exigindo o público dois números extras. Al Jarreau é um cantor de extraordinários recursos vocais que está tendo agora oportunidade de excelente lançamento em nosso país, para alegria de sua gravadora - também a Wea, que acabou tendo seu elenco bastante beneficiado neste festival - e antecedendo uma futura excursão mais demorada. Na quarta-feira, os grandes momentos ficaram com os veteranos da "Jazz at the Philarmonic" , com nomes da dimensão do baixista Ray Brown, pistonistas Roy Eldridge e Harry "Sweets" Edison, pianista Jimmy Rowlws, baterista Mickey Roker e o vibrafonista Milt Jackson (ex-Modern Jazz Quartet) e o saxofonista Zoot Sims. Este grupo - em formações diferentes com solos individuais e temas antológicos - fez o público vibrar e senão houve número extras, Brown, Eldridge e Harry Edison acabaram participando de jaz-session com músicos brasileiros, como Djalma Correa, Nivaldo Ornelas (que, anteriormente, se exibiu, sem entusiasmar, com o grupo Azymuth) entre outros. Luisinho Eça, que dividiu com o guitarrista Hélio Delmiro a abertura da noite, não entrou na "session" porque, ao beliscar as cordas do Steinway acabou ferindo os dedos, tendo inclusive que reduzir sua apresentação em 30 minutos. Para tristeza d público que começava a vibrar com sua criatividade ao piano, com desenhos sonoros vanguardistas, emoldurados no contracanto da guitarra mágica de Delmiro.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
4
16/09/1978

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