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Aramis

Afinal, dá para ouvir Messiaen no teclado da curitibana Jocy

Na enxurrada de eventos e promoções que sempre marcam o final do ano, passou despercebido (no Brasil) uma efeméride que internacionalmente teve as comemorações devidas: os 80 anos de um dos mais importantes compositores contemporâneos, Olivier Messiaen, no dia 10 de dezembro. Ironicamente, um dos poucos - senão o único registro feito no Brasil para marcar esta data, envolveu justamente uma curitibana - o que também foi pouquíssimo lembrado. Jocy de Oliveira, curitibana da Rua Coronel Dulcídio - onde nasceu em 11 de abril de 1936 - foi a primeira pianista do mundo a gravar uma das mais importantes obras de Messiaen: os dois volumes de seu "Catalogue D'Oiseaux". Isto aconteceu em 1972, para a gravadora Vox, que lançou o álbum nos Estados Unidos e Europa. Permaneceram inéditos no Brasil por 16 anos. Agora, graças à visão de Leonardo Barros, diretor da área de clássicos e jazz da Polygram, temos estes dois álbuns duplos, totalizando quatro elepês, aqui editados em novembro, antecipando-se ao ocotogésimo aniversário de Messiaen, que nasceu em Avignon, na França, filho de um professor de piano e de uma poetisa, Cecile Sauvage. A repercussão, infelizmente, foi pequena. E ninguém lembrou que sua intérprete é um bicho do Paraná, virtuose do piano, esposa por 15 anos do mais famoso maestro brasileiro - Eleazar de Carvalho - e concertista de prestígio internacional. Por exemplo, na noite de Natal, ao telefonar para sua mãe, dona Jandyra Sounis - que veio passar a festa na casa de seu irmão, o professor Emilio Leão de Mattos Sounis, lhe contou que acabam de participar pela terceira vez, do mais importante festival de música contemporânea dos Estados Unidos - o New Music America. Dona Jandyra Sounis Carvalho, curitibana, formada em piano, autora de cinco livros - prosa e poesia, manteve por alguns anos a "Revista Brasileira de Musicoterapia". Embora residindo há anos em São Paulo - quando não está no Exterior, especialmente Nova Iorque, onde tem residência fixa e sua filha caçula, a arquiteta e artista plástica Jocely, 42 anos - dona Jandira mantém sua ligações com Curitiba. Aqui conheceu e casou com o engenheiro agrônomo Jaime Carvalho de Oliveira (1903-1968), neto do emigrante português José Loureiro - nome de rua e tronco de uma grande família. Aqui nasceu sua filha mais velha, Jocy, que até os cinco anos viveu na casa da família na Rua Coronel Dulcídio. A família transferiu-se para São Paulo (ali nasceu Jocely), e seria com o professor José Kliass, entre 1946/1953, que Jocy teve seu primeiro aprendizado de piano. Depois, por sete anos (1953-60) estudou com Marguerite Long, em Paris. Nesta época, já havia conhecido e casado com o maestro Eleazar de Carvalho, de quem teve um filho, hoje com 28 anos, economista de profissão, Eleazar Filho. Em 1968 recebeu seu diploma de Master of Arts pela Washington University, em Saint Louis, onde, dois anos antes, havia interpretado a peça "Capriccio" de Igor Stravinsky (1882-1971), sob regência do próprio autor. Reconhecida internacionalmente pelas suas execuções de música contemporânea, tendo sido solista duas vezes sob a regência de Stravinsky, Jocy apresentou-se também como solista com algumas das maiores orquestras do mundo - Sinfônica de Boston, Filarmônica de Los Angeles, Sinfônica da Radio France (Paris), Orquestra Nacional Belga, Filarmônica de Varsóvia, além de outras orquestras na Alemanha, Suíça, EUA, México e Bélgica. Considerada pela crítica internacional como intérprete competente das obras de Olivier Messiaen, tem executado suas obras para piano -solo e orquestra tanto no Brasil quanto no Exterior, inclusive em concertos colado de dois outros nomes notáveis da chamada música de vanguarda: Lukas Foss e Pierre Boulez. Convidada pela American Museum of Natural History, em Nova Iorque, apresentou um recital do "Catalogue d'Oiseaux" em comemoração ao centenário do "American Ornithologit's Union". Há 34 anos, quando a Sinfônica Brasileira, na época regida por Eleazar de Carvalho, fez a primeira apresentação no então em obras grande auditório do Teatro Guaíra, Jocy foi a solista. Anteriormente, havia feito alguns concertos no clubes Curitibano e Concórdia, já que, na época (antes de 1953) inexistia um teatro em Curitiba. Entretanto, depois dos anos 60, Jocy nunca mais voltou a se apresentar em Curitiba - apesar das nove edições dos Cursos e Festivais Internacionais, conforme lamenta sua mãe, dona Jandyra, sem esconder um pouco de mágoa pelo fato de justamente sua cidade natal não ter se lembrado desta artista. A Orquestra Sinfônica do Paraná, que ainda procura um caminho capaz de lhe dar alguma projeção, também até hoje não a teve como solista convidada. Ironicamente, a única homenagem que teve nos anos 60/70, foi a encenação por um grupo amador, de Curitiba, de sua peça "Apague Meu Spotlight" - um dos seus três textos publicados no Brasil (os outros são "O Terceiro Mundo" e "Dias e Caminhos - Seus Mapas e Partituras"). Principalmente após a separação do maestro Eleazar de Carvalho sua carreira como compositora e solista teve ainda maior impulso. Como compositora, recebeu diversos prêmios nos EUA: Rockfeller Foundation, Pan America Union, CAPS (Creative Artists Public Service) e Meet The Composer. Suas composições - especialmente "Polinterações I e II" (happenings, 1970) e "Fata Ragana" tiveram apresentações especiais. Esta segunda, concebida para espaços diferentes, foi apresentada nos planetários do Rio de Janeiro e Miami. Atualmente, um violinista brasileiro, Airto Pinto, vem também divulgando suas composições. Associate Professor na University of South Florida, em Tampa (EUA) e Faculty Member da New School for Social Research (Nova Iorque), Jocy foi também uma das fundadoras da Academia Paulista de Música. Com um curriculum tão ilustre, se fosse feita qualquer pergunta a seu respeito no Paraná, poucos saberiam identificá-la!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
28/12/1988

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