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Aramis

Afinal, boa música para os "baixinhos"

Há quase dois anos, quando o garoto Thiago da Luz, então com 7 anos, venceu a VIII Gala de Pequenos Cantores, em Figueira da Foz, Portugal, sua mãe, dona Belinha, recebeu em Curitiba vários telefonemas de empresários interessados em contratar seu filho. Inclusive a "manager" do grupo "Trem da Alegria", contratado da RCA, via o pequeno Thiago, com seus cabelos loiros, encaracolados, que lhe dão um ar de "Pequeno Príncipe", conforme as aquarelas de Saint-Exupery, um integrante ideal para aquele grupo - então no auge de sua fama, disputando na época o primeiro lugar na preferência infantil com a Turma do Balão Mágico. As negociações, entretanto, não prosperaram e Thiago continua em Curitiba, estudando piano e sendo muito requisitado para comerciais de televisão. Talentoso, extremamente musical, poderá vir a ser um grande nome da música - embora esteja numa idade que precisa, prioritariamente, adquirir base musical. Poucos gêneros da indústria do lazer e da cultura tem mostrado tanta rentabilidade como a área infantil. Há alguns anos, a Turma do Balão Mágico era a mais popular no Brasil - liderança hoje assumida pela crescidinha Xuxa, mas que tem na faixa infantil, naturalmente, a sua base empresarial. Na reciclagem quase que anual dos ídolos para a infância, os produtores estão sempre buscando novos talentos capazes de estabelecerem uma empatia com o público infantil. O crescimento natural dos pequenos artistas faz com que tenham vida profissional reduzida - a não ser que sejam reciclados para outras fases. Por exemplo, dois integrantes da Turma do Balão Mágico - Jairzinho & Simony - foram lançados no ano passado, num elepê em dupla (CBS/Epic), tendo até participações especiais de Gal Costa ("Oh Mundo!") e Tim Maia ("A Voz do Trovão"), numa referência, nostálgica, a dupla que o pai de Jairzinho, o sambista Jair Rodrigues, hoje com 49 anos, e Elis Regina (1945-1982) formaram entre os anos de 1965/66, na fase do "Dois na Bossa" - que vendeu milhares de cópias da série de três discos gravados na Philips. Entretanto, sem a televisão que fez da Turma do Balão Mágico o grande acontecimento promocional há 4 anos, Jairzinho e Simony não conseguiram emplacar esta parceria. Infelizmente, 99% do material musical imposto para crianças gravarem é de péssima qualidade. Versões de sucessos internacionais, bobagens onomatopaicas e muito rock da pior qualidade constituem os repertórios que são dados aos mini-artistas, "inventados" por gravadoras, preocupadas apenas em encontrar "produtos" capazes de concorrer na faixa da popularidade que o horário matinal da Globo abre nacionalmente - antes era a Turma do Balão Mágico, hoje Xuxa - que com três elepês já vendeu quase 6 milhões de cópias. E olhem que a modelo nunca foi cantora... Justamente preocupado com a mediocridade da música para a infância, alguns compositores mais conscientes tem se voltado a área. Vinícius de Moraes (1913-1980) e Toquinho, há 19 anos passados, já faziam belíssimas canções infantis, que resultaram na série "Arca de Noé". A morte do Poetinha, não fez Toquinho interromper sua dedicação a música infantil e no ano passado, em feliz parceria com o paranaense Elifas Andreato, desenhista e também compositor, conseguiu musicar os 10 Artigos da Declaração Universal dos Direitos da Criança. José Carlos Costa Neto, 33 anos, um advogado paulista que foi o mais atuante executivo que já passou pela presidência do Conselho Nacional de Direitos Autorais, é também compositor, e como pai de duas crianças, preocupa-se que seja oferecido ao público em formação, bom material. Desta inquietação natural, decidiu partir para os fatos concretos e, assim, em parceria com o violonista Alberto Rosenblit, 31 anos, talentoso instrumentista carioca, surgiram várias canções que uma nova intérprete infantil, Tatiana, gravou no elepê "Coisa de Criança" (Continental, 1987). A parceria de Rosenblit e Costa Neto teve em Roberto Menescal, produtor fonográfico e também compositor, o bom padrinho, ao mostrar uma melodia de Rozemblite (que precisava de letras). Desde então, os dois não se largaram mais. Foram meses de trabalho entre Rio-São Paulo, engordando suas contas telefônicas, mais no final, diversas músicas prontas, entre elas oito "infantis". E por que infantis? Diz Costa Neto: - "Porque quisemos colocar os nossos melhores anseios, os mais sinceros, diretos, simples, infantis. Para que os que olham de longe, atos ingênuos. Mas seria mesmo ingenuidade os gestos, as dúvidas, as observações que mais do que qualquer outro, nos surpreendem, nos desarmam, nos deixam com cara de tacho". Menescal assistiu Tatiana, junto com sua irmãzinha, a Gabriela, cantando num espetáculo de Roberto Carlos. Como nas histórias em quadrinhos, uma luz se acendeu na cabeça: é ela! Menescal a conhecia dos tempos em que cantava no grupo "Os Abelhudos" (finalista do último Festival da Globo com "O Dono da Terra"), e participando de diversos discos, além de convidada do "Xegundo Xou da Xuxa". O resultado foi um disco que se diferencia da massificação sonora mercantilista imposta as crianças - e que a partir da faixa-título ("Coisa de Criança") já aborda temas para pensar, começando pelo confinamento das crianças nas grandes cidades. Em "Igualzinho a Você", o alerta aos pais, pela transmissão de maus exemplos aos filhos; "Pequenos Passos" - as perguntas irrespondíveis e o lado bonito dos filhos seguirem os caminhos dos pais - a continuação dos sonhos; "Gorgondinha", uma performance infantil; "Forró na Rocinha" (a criança do campo pedindo "uma força" para a cidade, que poderia viver bem melhor se convivesse com o Interior); "Diário do Papagaio Cai" (um jornalzinho que "esquenta o tempo" na floresta) e finalmente "Meu Vizinho Nervozinho" e "Briga Brega". A essas, juntaram-se duas outras músicas: "Alerta", de Jorge Ferreira e Célio César que aborda o futebol e, curiosamente, "Dois Meninos" (Menescal / Ronaldo Boscoli) que, há exatamente 28 anos era gravada por Maysa (1936-1977), em seu antológico elepê "Barquinho" (CBS), mas uma leitura totalmente romântica - quase sensual, característica daquele álbum precursor da melhor Bossa Nova. Costa Neto - que quando presidente do CNDA foi um dos homenageados pelo jornalista Carlos Tavares, na festa dos "Melhores do Ano", promoção de "O Estado do Paraná" - é um letrista cada vez mais requisitado. Parceiro de Eduardo Gulin, Thomas Roth, Menescal, entre outros, tem muitas composições gravadas. Ronni Von (Ronaldo Nogueira, 41 anos), em seu último elepê ("Ida e Volta", 3M), gravou mais duas de suas composições: "Próxima Atração" (parceria com Luís Guedes / Thomas Roth) e "Canção sobre Viver" (parceria com Eduardo Santana / Maurício Pinho).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/01/1988

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