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Aramis

Zippin, lá se foi o bom homem das balas de amor

Ontem a Rua XV de Novembro estava mais triste. Especialmente o trecho entre as ruas Dr. Murici e Barão do Rio Branco, onde, durante muitas décadas, diariamente os curitibanos de mais idade e que ali tem parte de seu cotidiano, encontravam um senhor de cabelos brancos, rosto avermelhado, um sorriso permanente. Sempre uma palavra amiga, um cumprimento cordial, em paz para o mundo, um afeto ao seu semelhante. Desde o final da tarde de sábado, inesperadamente, a nossa cidade ficou menor em termos de pessoas admiráveis. Morreu o advogado Dalio Zippin. As centenas de pessoas que no sábado à noite e no domingo, pela manhã e tarde, levaram a sua família, as condolências - e acompanharam seu sepultamento, testemunharam a admiração de toda uma comunidade a um homem que soube fazer parte de sua cidade, de seu Estado e de seu tempo. Cada uma das pessoas que, ao longo de sua vida, conheceu e conviveu com Dalio Zipping soube, sempre, admirar o espírito humanitário, a dignidade profissional, o bom humor e até a ironia idish que sempre o caracterizou. Um homem bom, seria um epitáfio. Um homem que sempre trazia os bolsos cheios de balas para distribuir [às] crianças que encontrava - a exemplo do que sempre soube fazer outro admirável curitibano e que também já deixou o nosso quotidiano - o jornalista Ali Bark. Curiosamente, tanto Dalio Zippin, filho de judeus, como Ali Bark, filho de árabes, foram pessoas que fizeram da Rua XV de Novembro e adjacências o seu mundo. Ambos sempre se caracterizavam pela disponibilidade de auxiliar o próximo, de atender aos mais incríveis pedidos - Ali como jornalista, Dalio como advogado - mas ambos, principalmente, como pessoas humanas. O ex-deputado Tulio Vargas, uma das muitas pessoas que compareceu ao enterro de Zippin, recordava o que ele sempre costumava dizer, ao apanhar os doces nos largos bolsos de seu paletó, oferecendo [às] crianças que o cercavam: - Estão não são balas de Dallas. São para dá-las! Toda uma longa crônica, poderia ser dedicada a Dalio Zippin, pois, ao longo de seus 69 anos bem vividos - advogado da turma de 1935 da Universidade Federal do Paraná, pai de numerosos filhos, sempre esteve voltado às pessoas que dele necessitassem. Ficou famosa a decisão que teve, há muitos anos, quando, sabendo da violência que se praticava contra menores internos na Ilha das Cobras, ali foi e trouxe os garotos que lá estavam. Levou-os para sua casa e se orgulhava sempre de dizer que praticamente todos foram bem encaminhados na vida. Em seu velho escritório na Rua XV de Novembro, entre milhares de livros e pastas - numa confusão que sempre soube cultivar, diariamente havia uma espécie de passagem regular daquelas pessoas que o procuravam em busca de auxílio. Mesmo sabendo que muitos poderiam estar apenas se aproveitando de sua bondade, nunca se importou. E a todos atendia com um sorriso amigo. Com o falecimento de Dalio Zippin - que morreu mansamente, sem sofrimento maior, faltará aquela pessoa que, cada vez que morria um velho curitibano, ele estava no cemitério, para a oração final. E no domingo, à tarde, foram dois velhos amigos - Divonsir Borba Cortes e Jorge Andreguetto, e mais o advogado Waterloo Marchesini Jr. - este em nome da OAB-PR, que fizeram o elogio fúnebre - enquanto um de seus filhos, Sergio, falou em nome da família. xxx Dalio Zippin foi um homem de muitos amigos. Mais do que a saudade que deixa, a certeza de que pessoas como ele, que vão desaparecendo nos inexoráveis numerados dia-a-dia de todos nós, deixam o nosso mundo menor - a cidade com menos presenças humanas. Hoje, sem dúvida, a Rua XV está mais triste. E os (milhares de) amigos de Dalio Zippin também.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
6
20/10/1981

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