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Aramis

"Velha Adega", um cenário literário

É uma pena que não exista da parte dos atuais proprietários da "Velha Adega", um dos mais antigos bares da Rua Cruz Machado, alguma preocupação cultural, em termos das relações daquele ambiente com a cidade. Pois se houvesse, teriam obtido um excelente marketing promocional, comemorando há dois anos os 20 anos de inauguração da casa e, agora, procurando o professor e escritor Cristóvão Tezza, para que ali fizesse o lançamento do seu recém-publicado romance "Trapo" (editora Brasiliense, coleção Circo de Letras, 207 páginas). Embora sem citar nominalmente a Velha Adega, todas as menções que o personagem Trapo faz a "Bodega", no decorrer de seu livro, referem--se à Velha Adega. Cristóvão, então menino de 14 anos, freqüentava - levado pelo escritor Wilsom Galvão do Rio e que na época era uma espécie de intelectual auto-exilado em Antonina - no qual sonhava em implantar um teatro, e que, anualmente, promovia uma encenação da Paixão de Cristo, ao ar livre, em Alexandra - que, posteriormente, transferiria para Florianópolis, quando ali foi morar. xxx Montado pelo polonês Victor Sziecko, um antiquário-decorador que, com uma incrível capacidade para decorar estabelecimentos típicos, instalou uma dezena de barres, restaurantes, tavernas, etc. A Velha Adega era o ponto de reunião de uma juventude inquieta no final dos anos 60 e início da década de 70. Jamil Snege, então um intelectual em tempo integral, sem os compromissos que o fazem hoje o próspero (mas ocupadíssimo) proprietário da Beta Propaganda, todas as noites, a partir das 21 horas, era o líder natural de uma grande mesa - na qual se achegavam jovens criadores de várias áreas: o artista plástico João Osório Brzezinski - afetuosamente chamado de "Stopinski" (pelo uso que fazia de sacos de aniagem em seus quadros, naquela época), Denise Stocklos, que tinha chegado há pouco de Irati e começava sua carreira; o jornalista Gilberto Mezzomo, editor político de O Estado do Paraná - que um brutal acidente de trânsito levou tão jovem - e muitos, muitos outros jovens sonhadores, idealistas - que o tempo levou por caminhos diferentes. Eram noites de saudável boemia, com o sabor da juventude, a espontaneidade das coisas simples - compensando os poucos cruzeiros que cada um tinha. Jamil Snege publicaria "Tempo Sujo", uma novela curitibana, na qual tanto a Velha Adega - como o antigo Bar Ok (originalmente na praça Osório, depois na travessa Jesuíno Marcondes) entraram como cenários reais das andanças de uma geração à procura de caminhos - num painel do país sob o tacão militar daqueles tempos de ditadura, de Censura - e cujas noites vazias eram preenchidas por muitos papos intelectuais - mas sem faltar o assunto favorito: as mulheres. xxx Cristovão Tezza, o mais jovem dos frequentadores da Velha Adega, hoje aos 35 anos, professor universitário, correu alguns países, publicou livros ("O Terrorista Lírico", "A Cidade Inventada", "Gran Circo das Américas", "Ensaio de Paixão") e voltou-se , em 1982, ao escrever o romance "Trapo" para algumas memórias daquela época. Recebido com simpatia pela crítica nacional, fazendo boa carreira, o romance de Tezza - que levou seis anos para conseguir edição - tem uma narrativa em dois tempos, grande força dramática e, sobretudo, a marca de um escritor que vivenciou suas experiências. Aos críticos literários, em profundidade, caberá a análise desta sua obra - mais uma etapa numa fase de criatividade que atravessa, trabalhando em novos romances - um deles, "Juliano Povollini", novamente com as suas memórias curitibanas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
27/08/1988

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