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Aramis

O mundo segundo Cacilda

Ao final da estreia de "O Globo da Morte", sexta-feira, no Teatro do Paiol, a opinião dos poucos espectadores que tiveram a sensibilidade de prestigiar a estréia deste vigoroso e sincero espetáculo (hoje, 21 horas, última apresentação) se dividiam: José Maria Santos, 43 anos, 25 de teatro, o mais profissional de nossos homens de teatro, admirável por suas firmes e corajosas, classificação o espetáculo de Cacilda Lanuza antes de tudo como um depoimento, ora bem humorado, crítico, outras vezes emocionante e, sobretudo, consciente, Já Marcelo Marchioro, diretor do Museu da Imagem e do Som e, atualmente, o único crítico teatral com atividade regular no Paraná - colaborador semanal do suplemento "Fim-de-Semana", de O ESTADO, via "O Globo da Morte" como uma peça, integral e definitiva. Classificação a parte, o fato é que o espetáculo que a paraíba Cacilda Lanuza, 48 anos, 29 anos de vida artística, trouxe a Curitiba, neste frio fim-de-semana, se constitui numa obra da maior validade e honestidade pessoal. Com uma quilometragem de vida artística que começou nos microfones das rádios do Recife passou pelos pioneiros tempos da televisão paulista, teve boa - e marcantes - experiências cinematográficas - de 1952, ao lado de Aurora Duarte, estrelando "O Canto do Mar", de Alberto Cavalcanti a 1968, interpretado o episódio "A procissão dos mortos", que Luiz Sérgio Person (1936-1976) fez para a "Trilogia do Terror"- Cacilda Lanuza sempre foi consciente da responsabilidade social do artista. E isto fez com que, a partir de 1966, se dedicasse especialmente ao teatro e, e, agosto do ano passado , iniciasse a escrever este texto que funciona como uma espécie de depoimento-catarse, economizando, talvez, muitas sessões de psicanálise. Afinal, ao longo de quase duas horas, Cacilda Lanuza integra fatos de sua vida a ficção, satiriza o rádio e a televisão brasileiras, sobretudo, questiona a posição do ser humano na sociedade contemporânea - poluída, ameaçada, violentada. O humor e a razão, o sorriso e a dor, se intercalam, com harmonia neste monólogo que Cacilda concebeu, dirigiu e interpretou com uma carga dramática única - exemplo de espetáculo que nem uma outra atriz poderia interpretar, pois "O Globo da Morte" é a síntese de seus 48 anos de idade - porradas, tristezas, alegrias, vitórias e frustações numa carreira que, atrás dos brilhos e das lantejoulas, é sacrifício, dor e, sobretudo (necessidade de) consciência - que, infelizmente, poucos profissionais assumem. "O Globo da Morte" é documental na proporção que mostra a carreira de uma jovem disposta a vencer no (aparentemente) luminoso mundo do shpw-bussines tupiniquim - e político quando coloca, em cheque, os valores (?) de uma sociedade corrupta, violenta e poluída. Dentro da moderna dramaturga do teatro brasileiro desconheço outro texto com a preocupação ecológica que Cacilda Lanuza imprimiu neste seu "O Globo da Morte", um espetáculo verdade, incomodo talvez as platéias anestesiadas pelo espetáculo digestivos, mas necessário de ser visto e aplaudido pelo público consciente, pelos universitários, pelos homens e mulheres que, unidos em sociedades preservacionistas do meio ambiente, também - como Cacilda - lutam pela sobrevivência do planeta Terra - a cada dia mais ameaçado pelos gases, pelos venenos, pelas usinas nucleares - enfim, sobretudo, pelo Homem. Cacilda Lanuza, uma mulher-atriz que há mais de 10 anos não filma porque não aceita as regras (sujas) do cinema-indústria pornográfico que se implantou no Brasil, que preferiu as misérias do teatro sincero do que as mordomias salariais da alienante televisão, é, antes de uma atriz segura, firma, uma mulher admirável, consciente como poucas e que, assumindo riscos & perdas, faz de "O Globo da Morte" um momento de maior dignidade do teatro - como veículo de documentação de pessoa realidade. No belo texto que escreveu para o programa, Cacilda já define, com precisão, seus propósitos - que mereciam serem compreendidos pelo público que deve aplaudi-la, hoje à noite, em sua última apresentação: "Eu tenho pensado muito no sentido verdadeiro e mais profundo do trabalho do ator no teatro. A sua função, a sua força, a sua utilidade, a validade de sua profissão. O ser humano vivenciando arte. Numa linguagem superior. O belo na sua forma mais completa. O elo de uma corrente: autor-ator-espectador. O ator é um meio de comunicação, como a imprensa, a tv ou o cinema, com uma diferença básica: ele não é celulóide, nem tinta num papel, nem imagem fria num imóvel da sala. Ele é vida. Nervos Emoção". E Cacilda Lanuza em "O Globo da Morte" dá uma prova de que uma atriz pode evoluir, contestar e constentar a realidade - realizando um espetáculo da maior dignidade artística, que pode ter seus pecados, mas cujos méritos são muitos maiores. Como um jovem cineasta, aos 15 anos, pretende sintetizar todas as influências, crises e visão do mundo que o espera, num filme de 10 minutos, Cacilda também pode parecer pretenciosa nos múltiplos aspectos discursivos destes "O Globo da Morte". Mas a sua coragem, sinceridade - somada uma técnica e força dramática que poucas atrizes brasileiras possuem - fazem com que este espetáculo, hoje em sua última encenação no Paiol, se imponha com um dos melhores momentos da criação política e social e artística. E afinal, pretende adotar e cômoda - e alienada - posição de que "o artista não tem nada a ver com a política"- é desculpa e covardia - pecados que Cacilda Lanuza, uma nordestina de peito, raça e beleza madura em seus 48 anos, não aceita. Ao contrário, ela assume os riscos, não teme mergulhar na piscina - pois sabe que só denunciando e constestando, é que se pode crescer - e se posicionar num mundo de fezes e traições, como, um dia, disse o poeta, dramaturgo e jornalista Walmor Marcelino.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
17/06/1979

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