Login do usuário

Aramis

O Lobo e a sua alcatéia artística na boemia do Rio

Houve época em que Fernando Lobo orgulhava-se de parcerias com Antonio Maria, Caymmi, Evaldo Rui, Paulo Soledade, entre outros. Pai coruja, desde 1965, não se importa - ao contrário, gosta - de ser apontado como "o pai do Edu". Eduardo de Góis Lobo, seu primogênito, carioca, de 29 de agosto de 1943, autor de "Arrastão" (com Vinícius), "Upa, Neguinho" (com Gianfrancesco Guarnieri) e pelo menos 50 outras músicas de qualidade. Fernando Lobo, advogado que nunca assinou uma petição, radialista da época de ouro da rádio Nacional, jornalista que passou a partir de 1939 pelas redações de "Carioca", "O Cruzeiro", "Cigarra", "Diários Associados" e uma dúzia de outras publicações nacionais. Antes de tudo, um homem da noite, poeta das [madrugadas], mestre da arte de bem viver dentro das limitações de uma profissão que nunca remunerou condignamente seus melhores talentos. - "Somos antes de tudo uns biscateiros culturais" - dizia Fernando Lobo, há 15 anos, quando o conheci num encontro de pesquisadores de MPB, no Rio de Janeiro. Naturalmente numa [mesa] de bar, onde Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa, 92 anos a serem completados no dia 28 de outubro) e ele se recordavam os tempos de mocidade no Recife, enquanto o jornalista e pesquisador Ary Vasconcelos fazia anotações e eu tentava gravar o bagunçado papo. Não era o bar Vilariño, mas um botequim próximo ao edifício do Ministério da Educação e Cultura, onde se realizava a reunião dos pesquisadores. Lobo e Caiba eram duas participações que se confundiam com a própria história da MPB. Portanto um momento inesquecível. xxx "A Mesa do Vilariño" é o título que Fernando Lobo deu ao seu livro reunindo uma série de flashes de sua vida, desde os tempos de infância no Recife, onde nasceu em 26 de julho de 1915, até a melancolia de, próximo 77 anos, olhando velhas fotografias perceber que é um dos últimos, se não o último remanescente de uma geração que [marcou] época na imprensa e teve uma decisiva presença na música brasileira. Criado em Campina Grande, ali teve como professor de piano o velho Capiba, pai do famoso compositor de mesmo nome. Quando foi estudar Direito no Recife, passou a ter aula de violino e atuar como crooner e violinista da orquestra jazz Band Acadêmica de Pernambuco, com o qual chegou a gravar uma marchinha carnavalesca, em 1938, que Leon Barg, para sua emoção, incluiu no volume um do CD "Carnaval, Sua História, Sua Glória". Compôs sua primeira música em 1936 (o frevo-canção "Alegria", gravado por Nuno Roland, na Odeon, quatro anos depois). Começou a fazer jornalismo ainda no Recife. Em 1939 chegou no Rio, participou de jornais e revistas e na Rádio Tamoio mas em 1945 viajava para os EUA, trabalhando nas cadeias de rádio e televisão CBS e NBC. Em 1947, sua parceria com Caymmi "Saudade", [gravada] por Orlando Silva fazia sucesso. Em 1950, de volta ao Brasil, tinha sua composição "Chuvas de Verão", gravada por Francisco Alves, alcançando um sucesso que se repetiria com várias outras intérpretes - especialmente Doris Monteiro. Em 1950, "Nêga Maluca", parceria com Evaldo Rui, discotecário da Nacional, - onde trabalhava - foi campeão de carnaval (um ano antes, já havia feito outro sucesso, a rumba "Nasci para bailar", na voz de Araci de Almeida. Os anos 50 seriam a grande fase da vida profissional e musical de Fernando Lobo. Com um grupo de compositores, jornalistas, playboys e boêmios antes de tudo formaria o [famoso] Clube dos Cafajestes, e foi em memória a um dos seus mais [famosos] integrantes, o comandante Carlos Eduardo de Oliveira, a Panair do Brasil, morto em um desastre de aviação, que fez com Paulo Soledade (hoje aos 72 anos, paranaense de Paranaguá) "Zum-zum", gravado por Dalva de Oliveira e que também fez sucesso no carnaval de 1951. Colega de Rádio Nacional de Haroldo Barbosa, Evaldo Rui e Renato Murce, Fernando compôs baiões, como "A primeira umbigada" (com Manezinho Araújo). Antonio Maria (Araújo de Morais, 1921-1964), também recifense e que com ele dividiu um apartamento em Copacabana quando chegaram ao Rio, foi seu parceiro em algumas composições como "Preconceito" (que teve uma recente regravação na voz de Nora Nei no LP "As Cantoras do Rádio", CID, para a qual fez a contracapa -(ver comentário na página seguinte) e "Ninguém me ama". xxx Aos 77 anos, Fernando Lobo continua em atividade na TV Educativa do Rio de Janeiro, apresentando programas, lembrando estórias com o seu conhecimento de quem viveu de perto a MPB, seus personagens e teve o privilégio de conviver com uma geração notável. De Elizete Cardoso e Dolores Duran - das poucas mulheres que freqüentavam as machistas rodas do bar Vilariño - à Maísa e, especialmente Elis Regina, que ele acompanhou ao festival de Montreaux e a Paris, quando funcionário da Polygram (de onde saiu devido sua inimizade com André Midani, hoje na vice-presidência mundial da Warner) Fernando Lobo tem lembranças carinhosas de grandes momentos que viveu. Como jornalista - entrevistando personalidades como Yves Montand e Marlene Dietrich, quando vieram fazer temporadas no Copacabana Palace, suas experiências nos EUA, viagens à Europa - a primeira delas a convite da Panair do Brasil, quando inaugurou a linha Rio-Frankfurt (e na qual estavam também os jornalistas Antonio Maria, Darwin Brandão e Luís Jatobá), Fernando Lobo oferece nas 208 páginas de "A Mesa do Vilariño" uma viagem a um tempo marcante do Rio de Janeiro. Sem preocupar-se com cronologia e detalhamento de datas e mesmo nomes, Fernando [alterna] estórias mais curiosas com trechos de reflexão poética e mesmo com uma certa acidez própria de quem sente, a redução de um universo do qual desaparece m os amigos de tantos anos. A escolha do bar-restaurante Vilariño, que também já não mais existe no centro do Rio de Janeiro, é uma própria imagem desta época rica da imprensa e música brasileira. Numa de suas paredes, havia assinaturas de fregueses como Dolores Duran, Antonio Maria, Sérgio Porto, desenhos de Di Cavalcanti, Antonio bandeira e José Pancetti, além de versos de poetas como Pablo Neruda e Manoel Bandeira - além de acordes de canções de Evaldo Ruy e Ary Barroso, pessoas que, com maior ou menor regularidade passaram pelo Vilariño. Num momento de infelicidade, o proprietário do restaurante resolveu "limpar" a parede - apagando assim parte da memória cultural do Brasil com uma pintura de branco. Fernando, que desde então deixou de freqüentar o Vilariño, fez este livro para que as novas gerações, se interessadas estiverem, conhecerem um pouco de quem foram personalidades como Elizete Cardoso, Eneida, Lígia Clark, Milton da Costa, Lúcio Rangel, Paulo Mendes Campos, Vinícius e tantos outros que em noites compridas no Vilariño deixaram uma contribuição maior à verdadeira cultura popular brasileira. O branco pode ter apagado as suas assinaturas na parede do Vilariño, mas a memória de Fernando Lobo - e o que cada um destes fregueses do Vilariño deixou - permanecerá enquanto houver sensibilidade nas pessoas. LEGENDA FOTO 1: Em seus programas na TV-E, Fernando Lobo sempre reuniu grande parte da história da MPB. Como nesta audição de 1970 em que estão ao seu lado Donga, Pixinguinha, Ricardo Cravo Albim, João da baiana e, meio escondido, o admirável pesquisador Jotaefegê. LEGENDA FOTO 2: Nem só de bar Vilariño viviam os homens da noite dos anos 50: na casa do pianista Benê Nunes, num jantar ao lado de JK, os colunistas Maneco Muller e Mr. Eco. LEGENDA FOTO 3: Lucio Rangel e Sérgio Porto: foi Lúcio quem promoveu o encontro de Tom com Vinícius no Vilariño, que resultou em "Orfeu da Conceição", depois no filme "Orfeu do Carnaval" - Oscar - 1958.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/03/1992

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br