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Aramis

O importante Choro no bandolim de Déo Rian

No meio da diversificação e riqueza da música popular brasileira, uma coisa é certa: o choro é sua manifestação mais elaborada, de maior sentido criador. Tanto em sua estrutura - geralmente em três partes, concebidas em três tonalidades, com amplas variações dentro de cada uma - como em sua forma de execução, na qual a divisão básica de funções instrumentais apoia a liberdade de improvisação, fazendo de cada peça uma nova peça a cada execução. Com esta clara definição, dois dos mais bem informados editores do setor de MPB do "Jornal do Brasil", Juarez Barroso e Maria Lúcia Rangel, iniciaram há dois meses (4/5/74) uma das mais completas análises sobre Choro/Chorinho já publicados na imprensa brasileira. No momento em que o Choro começa a ser redescoberto, que um deputado federal propõe na Câmara Federal que as gravadoras sejam obrigadas a gravar lps de choros (tão raros em nossa fonografia) e que, em termos locais, um grupo de esforçados instrumentistas, sob a liderança do flautista Tortato, tenta reviver os grandes temas de Jacob do Bandolim, Luiz Américo, Pixinguinha e tantos outros clássicos do gênero, um reforço extraordinário é dado pela Odeon, editando em sua etiqueta Coronado, um dos melhores discos do ano: "Choros de Sempre" (SC 10018, maio/74), com Déo Rian e seu bandolim, numa seleção de clássicos de Jacob do Bandolim ("Noites Cariocas", "Primas e Bordões", "Tatibitate"), Garoto ("Tristezas um Violão"), Pixinguinha ("Lamento", em parceria com Vinícius de Moraes; "Vou Vivendo" em parceria com Benedito Lacerda; Avena de Castro ("Queixumes") e Ernesto Nazareth ("Julieta"). Outros compositores, menos conhecidos, mas igualmente extraordinários desfilam nas cordas de Déo Rian; Nelson Alves ("Mistura e Manda"), Mário Alves da Conceição ("Helena"), Nola ("Sentimento Oculto") e Cândido Pereira da Silva - o Candinho ("Soluçando"). Déo Rian é hoje, dentro do grupo Época de Ouro, o sucessor de Jacob do Bandolim. Começou a tocar com 12 ou 13 anos, ouvindo os discos de Jacob. Explica: - "Lá em casa, meus parentes gostavam do choro. Inclusive na casa de minha avó, em Jacarepaguá, tinha reunião de choro. Tudo amador. Mas, todos os domingos o pessoal se reunia". Adolescentes, Déo (ou Del) Rian conheceu Jacob através de um carpinteiro, que trabalhava em casa dele, Jacob. -"Aí pronto, comecei no choro. Não fazia parte do conjunto, mas ia muito lá". Entre o pessoal de sua geração que toca choro, Rian cita Ronaldo, de Niterói, que o substituiu quando o Época de Ouro esteve em Curitiba, em fevereiro, para dois históricos concertos, no Teatro do Paiol, junto com Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Mas são poucos os bons executadores de Bandolim atualmente: - É difícil encontrar um jovem que toca. Tem o Joel, com 32 anos, mas é raro. Podem ainda ser citados Niquinho, Evandro e Isaías, estes dois de São Paulo, Armando Macedo. Evandro, liderando um regional que se apresenta todas as noites no Jogral, de Marcus Pereira, em São Paulo, virá ao Paraná em agosto, para uma série de apresentações no Paiol e em praças públicas. Com relação a compositores de choro, o panorama é ainda mais desértico. Rian cita o Juventino, "que mora em Rio Bonito, mas que só toca as coisas dele. Há também o Cincinatto, mas este está na Guiana Inglesa. Trabalha no Itamarati e foi transferido para lá. Funcionário da Embratur, Rian não tem mais aquela disponibilidade de tempo de seus antepassados musicais. - Se toco choro é porque gosto muito. O tempo é curto. Tem de ser com sacrifício. Escrever sobre as origens do Choro exigiria espaço bem mais amplo do que esta coluna dispõe. Vamos ver o que diz o Almirante, "a maior patente do rádio", homem que reuniu o mais importante arquivo sobre MPB: "Muito se tem dito e escrito a respeito da origem do choro. Pelo que pude deduzir, através de milhares de músicas impressas ou manuscritas que tenho manuseado e arquivado; pela leitura dos jornais e revistas da época; pelas informações que me têm chegado de todos os recantos do Brasil, a verdade parece estar com Luís Edmundo, quando afirma que o choro teve seu nome motivado pela maneira chorosa de se executarem as músicas. Os chorões não tocavam choro, pelo simples motivo de que semelhante gênero musical não existia então, e sim polcas, valsas, schottisches, etc., que estavam em voga. Insensivelmente, porém, aos poucos foi surgindo a necessidade de se criarem novas denominações para distinguir certas nuanças dentro dos próprios gêneros. E, assim, foram surgindo: o tango brasileiro, o tanguinho, o maxixe... Depois, bem depois, alguns autores começaram a chamar de choros às suas composições". No começo, música diversional, amadorística. O choro (grupo de instrumentistas) reunia-se para divertir-se. Tocar entre amigos era uma forma de lazer, em tempos de limitado campo para a profissionalização de músicos de formação popular (não havia indústria fonográfica, rádio), de vida urbana mais tranqüila e nas quais, as formas de passatempo, excluídas as festas religiosas, alguma comemoração pública oficial, eram incentivadas pelo próprio povo - jogos de salão, os bailes familiares, os comes-e-bebes em louvor a aniversários, casamentos, batizados. Natural que essa gente, de baixa classe média, fizesse sua própria música, às vezes com a adesão ou a fidelidade de elementos que pelo status musical e social mais alto já atingido, podiam estar seduzidos pelos salões mais refinados do Império. Caso de Joaquim Antônio da Silva Callado (1848-1880), flautista, mulato, protegido da Princesa Isabel, Cavaleiro da Ordem de Santa Rosa (uma das mais altas condecorações do Império) e catedrático do Imperial Conservatório de Música. Callado, pelo que conta Jacob, teve atuação destacada no desenvolvimento do choro, sendo o primeiro a utilizar o acompanhamento de violão e cavaquinho nas peças que executava. "Choros de Sempre", com Déo Rian e seu bandolim, valorizado com uma sentimental nota de contracapa de Sérgio Cabral - um dos maiores estudiosos de nossa MPB - é sem dúvida um dos mais valiosos documentos sonoros sobre a cultura musical (popular) brasileira editados nos últimos anos. Um disco que vale (muito mais) do que custa. Não perca.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal do Espetáculo
16
18/06/1974
Grato pela disponibilidade deste artigo.

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