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Aramis

No jogo de imagens, o desafio aos cinéfilos

Estimulado pela repercussão de "Cinema Paradiso" - embora a renda tenha sido fraca nos primeiros dias, agora, com a recomendação boca-a-boca, o público está crescendo no Cinema I - Levi Possato, superintendente da Vitória Cinematográfica, está agilizando junto a Warner a estréia de "Splendor", de Ettore Scolla. Afinal, como já escrevemos várias vezes, estes dois filmes são irmãos siameses: ambos abordam o declínio dos cinemas, tem linguagens fascinantes e apesar do tom nostálgico passam uma belíssima mensagem. "Splendor", que mereceu reportagem especial em ALMANAQUE dominical, há três meses - ilustrado com desenhos de seu diretor Scolla - foi o filme que mais emocionou aos participantes do VI FestRio (Fortaleza, novembro/89) e fez boa carreira em São Paulo e Rio de Janeiro. A promessa de Levi é de que na segunda quinzena, este filme magnífico - trazendo Marcello Mastroianni no papel central e revivendo Marina Vlady, há muitos anos ausente das telas, estréia na segunda quinzena. "Cinema Paradiso", em sua primeira versão, tinha 155 minutos. Teria sido esta metragem longa que o fez ser recusado no festival de Berlim do ano passado. Remontado pelo próprio diretor, Giuseppe Tornatore, concorreu em Cannes e ficou com o prêmio especial do público (e merecia mais). Só que com este corte, perdeu-se uma parte da história: toda a seqüência em que Salvatore de Vitto, o Totó, já adolescente (Mário Leonardi) serve o exército e no qual apareceria mais a sua grande paixão, Elena (Agnese, Nano, quando adolescente) e que, mais envelhecida, interpretada pela atriz francesa Brigitte Fossey, de quem os espectadores mais velhos lembram-se de, quando menina, em "Brinquedo Proibido" (Jeux Interdits, 52, de René Clement) e que, sob o mesmo diretor, retornaria, já crescida, em "O Passageiro da Chuva" (Le Passager de La Plute, 1969), um thrilling de suspense que há 19 anos inaugurou o cine Condor. "Cinema Paradiso" - a exemplo de "Splendor" - é daqueles filmes que despertam a vocação de crítico que adormece no fundo de todo cinéfilo. Pela sua estrutura, pelo toque humano e por ser uma obra construída em torno de citações de filmes que marcaram a memória dos espectadores dos anos 50 - e a identificação destas cenas, a que filmes pertenceram, constitui, justamente, um dos aspectos mais interessantes aos que possuem boa memória. Jorge Souza, do alto de seus 55 anos de cinéfilo apaixonado, por exemplo não só lembrava que o filme "Cateni", de Raffaeli Matarazzo (1909-1966), citado explicitamente nos cartazes durante a seqüência em que é projetado no "Paradiso", teve no Brasil o título de "A Mulher Tentação", mas que, na verdade as cenas que o espectador vê são de outro filme do mesmo diretor, produzido dois anos depois (1951) - "Filhos de Ninguém" (I Figli de Nessuno), com a mesma dupla - Amadeo Nazzari e Yvone Sanson - e que fez imenso sucesso no Brasil. "Anna", de Alberto Lattuada (1952), na mais longa das seqüências projetadas, mostra toda a beleza de Silvana Mangano (1930-1989) e traz Vittorio Gasman, então no auge de sua fama de galã, aos 30 anos. O "Baião de Anna", que Silvana cantava naquele filme - em Curitiba, projetado por 5 semanas no antigo cine Palácio, quando Zito Alves ali era o operador - foi sucesso imenso. Já "La Terra Trema" que Luchino Visconti (1906-1976) realizou em 1947, na Sicília, com atores não profissionais, falando em dialetos e abordando profundas questões sociais - outro dos filmes citados - nunca chegou a ter lançamento no Brasil. A única cópia existente, pertencente a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi cedida para uma única projeção, em junho de 1972, no Teatro do Paiol, dentro de um curso de cinema - e pouquíssimos espectadores resistiram até o final - já que além de longo e arrastado, é impossível entender o que os intérpretes dizem. Levi Mulford Chrestenzen, 60 anos, jornalista esportivo e cinéfilo, que durante anos trabalhou em escritórios locais de distribuidoras (Colúmbia, Republic e Art Filmes), ao lado de seu irmão, Hermínio, 67 anos (que trabalhou na Paramount), identificava, ao final de "Cinema Paradiso", alguns dos fragmentos dos "beijos roubados" que, censurados pelo padre Adelfio, foram guardados por Alfredo e, deixados para Totó, são por ele vistos na última seqüência: cenas de amor de "Arroz Amargo" - novamente Silvana Mangano em seu esplendor: "Robin Hood", "Adeus às Armas" (Gary Cooper, na primeira versão), "O Sheik" e "O Filho do Sheik" - com Rodolfo Valentino, entre outros. Como dissemos em nossa primeira crônica, localizar quem e de onde são as rapidíssimas imagens é um desafio aos mais atentos cinéfilos. xxx Giuseppe Tornatore, 34 anos, siciliano - e os traços autobiográficos com Salvatore De Vitto são claros - atualmente monta "Stanno Tutti Bene", novamente com música de Ennio Morricone, com Marcello Mastroianni, 66 anos. O filme já deveria ter sido concluído, mas devido a indicação de "Cinema Paradiso" ao Oscar, ele se afastou por algumas semanas da cabine de montagem. Tendo estreado modestamente, há quatro anos, com "Il Camorrista" (exibido no FestRio-86 como "O Professor do Crime"), sobre a Camorra, uma organização criminosa na linha da Máfia e Cosa Nostra, Tornatore tornou-se com "Cinema Paradiso" a grande esperança do cinema italiano - cujos realizadores mais notáveis já passaram dos 60 anos. Embora continuem ativíssimos, tanto é que há pouco mais de um mês, em 200 salas daquele país, estreou "As Vozes da Lua", de Federico Fellini, 70 anos, enquanto Mario Monicelli, 75 anos, continua em atividades: seu último filme, "Mar Escuro", tem recebido muitos elogios.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
6
11/03/1990

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