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Aramis

A morte do Vitória para um centro de convenções

Com a idade de 23 anos, morrerá dentro de algumas semanas aquele que foi o maior e mais luxuoso cinema de Curitiba: o Vitória. Após anos de negociações, finalmente foi sacramentada a transformação do grande prédio na Rua Barão do Rio Branco num centro de convenções. Ontem, em solenidade no Palácio Iguaçu, o governador João Elísio e o secretário Fernando Miranda, da Indústria e Comércio, oficializaram a operação que mediante a passagem de Cz$ 35 milhões para os herdeiros da família Johnscher - e os irmãos Aleixo e Arnaldo Zonari, donos da Fama Filmes, faz com que o cinema cerre suas portas dentro de alguns dias. A rigor, não há muitas lágrimas a serem derramadas. Inaugurado em 1963, com o filme "Taras Bulba" - uma superprodução - o Vitória vinha sofrendo, há anos, da elefantíase cinematográfica, ou seja aquela doença surgida a partir dos anos 60 que condena as supersalas de espetáculo. Do alto de sua experiência de 34 anos de exibição, João Aracheski, 47 anos, principal executivo da Fama Filmes, é pragmático: - "Não adianta manter cinemas imensos, com capacidade ociosa de 70 a 90%. Os prejuízos são grandes. A saída é para salas pequenas. As 1.800 poltronas oferecidas pelo Vitória buscavam desesperadamente público. Superbilheterias como de "Rambo", "O Exorcista", ou nos primeiros tempos da abertura da Censura - em "Calígula", não constam da programação regular. E se entre quase 15 mil filmes exibidos no Vitória ao longo de seus 23 anos, houve muitos sucessos - no frigir dos ovos a maioria nunca conseguiu garantir mais do que 30/40% de lotação. xxx Construído pela família Johnscher - descendentes do pioneiro hoteleiro Francisco Johnscher, dono do Grande Hotel Moderno, de tantas lembranças nostálgicas da Curitiba do início do século, o cine Vitória foi operado em seus primeiros anos pela antiga Orcopa, liderada por Ismail Macedo, executivo que durante quase 20 anos controlou a política cinematográfica em Curitiba. Passando depois para o grupo Zonari, que chegou a possuir mais de 30 salas de exibição em vários Estados, o Vitória vinha, há muito, pedindo por uma reforma. As cortinas cada vez mais encardidas, poltronas necessitando serem substituídas, pintura total - enfim investimentos de mais de Cz$ 2 milhões, cifra arriscada para um setor de rentabilidade discutível. Como a mesma empresa já está aplicando mais de Cz$ 1 milhão na completa reforma do cine Bristol, na Rua Mateus Leme (ex-Marabá, antigo Teatro Hauer), em imóvel pertencente a família Seiller, a opção de fechar o Vitória foi bem recebida pelos irmãos Aleixo, 49 e Arnaldo, 45, herdeiros do velho Arnaldo Zonari (1926-1981), que de uma pequena empresa distribuidora conseguiu formar um respeitável patrimônio. Os Zonari já possuíam uma participação - cerca de 35% - do imóvel. Da parte da família Johnscher, há muitos herdeiros, e como a trasnformação da Rua Barão do Rio Branco em via exclusiva para ônibus expressos a desvalorizou em termos imobiliários, qualquer outra utilização do imóvel seria difícil. Assim, entre o recebimento de uma sólida importância - possível de satisfazer a todos os herdeiros, a manter um cinema, com aluguel a preços congelados, as negociações properaram e, no final, se acabou fixando em torno de Cz$ 35 milhões a venda. O governo do Estado, através da Secretaria da Administração, não regateou: afinal a Embratur vai participar com 49% neste custo. Resta ainda o imóvel ao lado - que durante mais de 40 anos serviu para o Hotel Johnscher. Pertencente ao bilionário Carlos Coelho (dono da mais sofisticada loja de artigos masculinos da cidade), ainda não foi adquirida por uma questão de preços: ele quer Cz$ 5.500.000,00. O governo avaliou em um milhão a menos. Mas o negócio deve sair, pois dificilmente haverá outro comprador para o imóvel. Fernando Miranda, secretário da Indústria e Comércio, conduziu o projeto de transformar o cine Vitória no tão aguardado Centro de Convenções, com sua objetividade que o faz um dos mais eficientes executivos da administração pública (depois de ter sido consagrado na área privada, como o grande especialista em Comércio Exterior no Paraná). Preocupado com a transparência e participação de um empreendimento que envolverá, no final, mais de Cz$ 100 milhões - considerando o que será investido para as reformas e adaptações - recorreu ao Conselho de Indústria e Desenvolvimento, formando uma ampla comissão representada por líderes de todos os setores interessados - hotelaria, agências de turismo e viagens, comércio etc. Com base em amplas discussões e análises, os negócios foram conduzidos e embora o governo banque a operação, haverá a participação da iniciativa privada e da Embratur. Para administrar o futuro Centro, ao invés de mais uma discutível empresa de economia mista, talvez seja o mais prático usar a própria Paranatur - que após o calamitoso período em que sofreu com a incompetência da Secretaria da Cultura a qual era subordinada, voltou para a esfera da Indústria e Comércio. xxx Há prós e contras em relação a implantação do Centro de Convenções no cine Vitória. O fato é que em termos práticos, possibilitará - se for escolhido um bom projeto de arquitetura, empreiteiros competentes e bom gerenciamento - que ainda em 1987 o mesmo possa começar a funcionar. Em Foz do Iguaçu, o tão discutido centro de convenções ainda não deslanchou e a hotelaria continua a se ressentir da falta de um espaço que dê condições ao Paraná de atraia grandes eventos. Fernando Miranda admite que o Centro de Convenções na Rua Barão do Rio Branco pode não ser a solução definitiva - e outros poderão surgir (um grupo de hoteleiros pensa num empreendimento bilionário em Santa Felicidade). Entretanto, aqui e agora, é melhor do que nada - podendo ter um auditório para até 2 mil pessoas, salas de reuniões, administração etc. - funcionar como válvula de escape para tantos eventos que hoje se espremem nos auditórios do edifício Castelo Branco, no Centro Cívico ou ocupam datas do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. xxx Já houve projetos de um centro de convenções na Praça Rui Barbosa (o arquiteto Oscar Niemeyer chegou a fazer um anteprojeto), discutiu-se a viabilidade de implantá-lo no Parque Barigui, o grupo C&A chegou a oferecer o Shopping Center Pinhais, poucos meses antes de fechá-lo, para o aproveitamento da estrutura existente no município de Piraquara. Houve até quem defendesse o local ideal como o próprio Centro Cívico. Enfim, interesses dos mais diversos para uma realidade necessária: um amplo espaço para o encontro de pessoas com fins específicos. O governo fez agora sua opção. Resta torcer para que haja bons resultados. xxx Nascido com pretensões de ser cine-teatro, o vitória raramente abrigou eventos especiais. Algumas formaturas, o concerto histórico da Sinfônica de Utah, e duas memoráveis festas do "Tribunascope de Ouro", há 20 anos passados. Ali estiveram, em abril de 1964, alguns dias após o golpe de 1º de abril, artistas como Janet Leight, Tony Perkins e Karl Malden - que deixaram no cimento as suas mãos, tal como no Chinese Theatre da Hollywood dos anos dourados. Pelo menos que estas memórias da cinematografia sejam preservadas e não se percam como aconteceu com as placas que marcavam os eventos artísticos que aconteceram no antigo cine Ópera entre os anos 40 e 50. Afinal, como diria o poeta Fernando Pessoa, se o cais é saudade em pedra, o cinema também pode ser nostalgia nas imagens em cimento daqueles astros que um dia iluminavam sonhos ao passarem pela cidade.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
21/11/1986

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