Mathis canta Ellington em momentos iluminados
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 07 de abril de 1991
Já não foi sem tempo!
Os milhares de fãs de Johnny Mathis, 66 anos, que há mais de 30 admiram a sua voz aveludada, criadora de tantos sucessos marcantes, muitos dos quais embalados por imagens cinematográficas ("Tender is the Night", "Wild is Wind", entre outros), viam, com tristeza, o outrora glorioso cantor nascido em San Francisco entrar em rota de decadência, gravando standards desgastados e sucessos descartáveis nos habituais álbuns semestrais da CBS, gravadora da qual é contratado desde os anos 50.
Felizmente, no ano passado, Johnny encontrou em Mike Berniker e Jay Lenderders produtores capazes de entendê-lo como grande cantor merecedor de um álbum a sua altura. O resultado foi "In a Sentimental Mood: Mathis Sings Ellington", que lançado no Brasil no finalzinho do ano, só neste primeiro trimestre teve divulgação e chegou às lojas, podendo, assim, já ser anotado como um dos fortes candidatos a entrar na lista dos melhores álbuns internacionais do ano.
Tudo contribuiu para fazer deste "song book" um elepê de primeiro nível. De princípio, a feliz idéia dos produtores em revelar o lado lírico do maior nome do jazz, Edward Kennedy Ellington (1899-1974), o "Duke", habitualmente identificado apenas ao piano e a sua esplêndida big band - com uma discografia que ultrapassa os 500 itens, entre produções oficiais e, especialmente, as piratas que ellingtonianos de todo o mundo vivem a caçar. Em sua longuíssima e produtiva carreira, Ellington, compositor de mais de 50 clássicos da música americana, enriquecidos com letras de parceiros como os dois Irving - Mills e Gordon - o cantor Frankie Laine (que atuou algum tempo em sua banda), Mack David, etc., Johnny Mathis, com sua voz esplêndida, amparado em arranjos de Brad Dechter e Byron Olson, e atuando com um excelente grupo de instrumentistas - entre os quais o pistonista Bill Berry e o sax-barítono de Ronny Ross - dá um encanto todo especial a temas que mesmo sendo de outros compositores, ficaram eternamente identificados ao nome de Ellington, como o caso de "Lush Life", de Billy Strayhorn, o grande músico-arranjador que Ellington teve ao seu lado por mais de 25 anos, que lhe criou inclusive a música prefixo ("Take "The" a Train") e, postumamente, mereceu uma homenagem notável, no álbum "His Mother Called Him Billy", já editado no Brasil pela RCA/Ariola - um dos melhores álbuns de jazz disponíveis no mercado.
Do filho de Duke, Mercer (que tenta manter a tradição paterna) é "Things Ain't what They Used to Be", numa passagem instrumental, recurso que se repete em "Perdido", "I Get it Bad and that ain't Good" (Duke / Paul Webster) e "Stating Doll". A sonoridade de Mathis utiliza ao máximo as modulações que dois standards dos mais conhecidos de Duke - "A Sentimental Mood" e "Solitude", enquanto que o romântico "Prelude to a Kiss", com a letra de Irving(s) Mill / Gordon - ressurge com um notável charme.
Envolvente da primeira à última faixa, sonoramente brilhante, não poderia ser feita uma melhor homenagem ao romantismo jazzístico de Duke Ellington, num álbum-recuperação de Mathis, prova de que com um produtor e repertório acertados, pode sempre mostrar a sua melhor forma.
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