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Edições regionais e o exemplo para o Paraná

Mais um exemplo que a Universidade Federal do Paraná deveria seguir: a jovem (e modesta) Universidade Federal de Goiás acaba de lançar o n.1 da << Revista Goiana de Artes >>, órgão oficial do seu Instituto de Artes. Sem os recursos de nossa quase septuagenária universidade, a UFG dá uma mostra de boa publicação, com uma revista de 120 páginas, onde a professora Maria Augusta Calado de Sáloma Rodrigues, editor responsável, reuniu textos dos mais interessantes, numa mostra do conhecimento dos integrantes do setor de artes em Goiás. Destacam-se, especialmente, três ensaios sobre música: a professora Yeda Schmatz analisa << o traço pertinente entre o trovadorismo provençal português da Idade Média e a Música Popular Brasileira do Século XX >>, a pianista e professora Belkis Spenciére carneiro de Mendonça - já com vários elepês gravados - procura fazer algumas colocações em torno das << invenções >> na obra de J.S. Bach e a professora e também pianista Yara Moreira investiga a autenticidade de nove tocatas atribuídas a Girolano Frescobaldi (1583-1643). Yara, uma jovem, bela e competente professora e pesquisadora, foi quem realizou o magnífico trabalho sobre a música popular em Goiás, editado em quatro elepês, no ano passado, pelos Discos Marcus Pereira, com patrocínio do governo Ary Valadão. Embora tenha saído no atual governo, o trabalho de Yara - um documentário precioso sobre a criação popular no Centro-Oeste- foi iniciado há muito tempo e, para chegar ao disco, a professora se empenhou de corpo e alma. O resultado foi uma coleção que mereceu entusiásticos elogios e preservar sons que, pouco a pouco, a sociedade de consumo vai fazendo com que se perca. Embora se concentre em Goiás o maior centro consumidor de música não urbana, com inúmeros intérpretes em duos, trios e mesmo quartetos, já sente-se uma << colonização >> mesmo sobre o trabalho dos mais ingênuos (e puros) cantadores da região. Para quem acompanha a bibliografia sobre música popular como o incansável e organizado Alceu Schwaab, o estudo da professora Yeda Schmatz, buscando os pontos comuns entre o trovadorismo provença português e a MPB atual é das mais interessantes. Ao longo de 34 páginas, recorrendo a básicas fontes de consultas, a professora goiana faz colocações bastante profundas, lembrando o estilo e significado dos trovadores portugueses e, indiretamente, sua influência - ou presença - em alguns compositores populares contemporâneos. Assim, ao lado das << cantigas de escárnio e maldizer>., de Pêro Garcia Burgalês ou Diezo Perelho, ela contrapõe as letras de << Ignorante >>, << Caixinha, Obrigado >> de Juca Chaves e mesmo o << Deus Dará >> e << Cotidiano >> de Chico Buarque, Aliás, o irreverente Juca Chaves, um modinheiro e trovador crítico - ao lado do humorista astuto (e cada vez mais rico), é citado ainda em três outras de suas irreverentes composições: << Jeová, Jeová >>, << Paris Tropical >> e << Take Me Back To Piauí >>. *** Como alguém pode se interessar em obter a << Revista Goiana de Artes >>, aqui fica o endereço para correspondência e solicitações: Praça Universitário, caixa postal 140, Goiânia, Goiás. *** Como as dicas para os interessados devem ser transmitidas eis mais uma: em edição da Fundação Cultural do Estado da Bahia - e que chega a nossas mãos através dos bons amigos Leonel e Ana Brayner, ele pintor hoje radicado em Salvador, ela uma das assessoras do Centro de Convenções da Bahiatursa, foi lançada naquele Estado << A História do Cinema Visita da Província >>, obra póstuma do crítico e jornalista Walter da Silva (1915-1970), que desenvolveu importantes atividades na boa terra. Coube a José Umberto Dias, organizar e fazer o estudo e ensaio introdutório desta obra que, como bem diz Guido Araújo - também um pesquisador e animador na área do cinema naquele Estado, é uma obra que, mesmo tendo ficado inacabada, devido a morte do autor, << é preciosa tanto como pesquisa histórica, como do ponto de vista literário. A sua prosa fluente envolve o leitor, convidando-o a acompanhar dentro da ótica de uma Bahia provinciana, o nascimento e a evolução da arte que revolucionou o nosso século >>. Já Jonicael Cedraz, na << Orelha >> do livro, destaca que Walter, << criterioso e dialético na seleção e análise dos dados que manipula na sua história do cinema, construída no ponto de vista da história social, demonstrou uma maturidade intelectual e experiência em pesquisa de cinema, ao localizar, em tempo e espaço, os fenômenos cinematográficos descritos e sua inter-relação com o contexto econômico, político, científico, ideológico da sociedade capitalista monopolista deste século XX >>. As pesquisas de Walter da Silveira mostram que o << cinematógrafo >> - que teve, em Paris, sua primeira exibição pública a 28 de dezembro de 1895 - chegou a Salvador dois anos após aquela histórica sessão dos irmãos Luminére, no subsolo de um café parisiense. Conta Walter que a primeira sessão de cinema vista pelos baianos aconteceu a 4 de dezembro de 1897, no Teatro Politeama. << Havia terminado a guerra de Canudos, os soldados baianos desembarcavam, naquele dia, na estrada de ferro, entre flores, confetes e foguetes. Os bondes da Cidade Alta eram puxados por burros. A eletricidade só entrara em poucas casas. Não obstante o Teatro São João Rivalizar em prestígio, com o Politeama, vencê-lo pela lembrança de velhas noites das campanhas abolicionistas e republicanas, com a presença de Castro Alves e Ruy Barbosa, a província raramente conhecia a melhor arte teatral, com a passagem efêmera das companhias líricas e dramáticas. Em 1893, quando se realizara um espetáculo de lanterna mágica - esse precursor do cinematógrafo - dera-se numa casa familiar, a de Henrique Santos Silva, comerciante de calçados. Havia toda uma conspiração de circunstâncias favorecer o cinematógrafo. E, assim, em vez de um subsolo com 120 cadeiras (como ocorreu em Paris), para a sua estréia, um grande teatro, com lotação para 1.900 espectadores, distribuídos pela platéia, camarotes, frisas, galerias, gerais >>. O primeiro exibidor da Bahia foi o farmacêutico Dionísio Costa e Walter da Silveira concluiu que os primeiros filmes exibidos naquela cidade de Salvador foram << A Chegada do Trem >>, << O Regimento de cavalaria em marcha >> e << O Beijo >>, produções dos irmãos Lumière. O trabalho que Walter da Silveira deixou ainda inacabado - mas que mesmo assim se constitui da maior validade -, desenvolvido nos anos 60, agora lançado em livro, se constitui em mais uma contribuição para uma história geral do cinema, como espetáculo e veículo de comunicação e cultura, em todo o Brasil. Alex Viany há anos vem reunindo dados esparsos, que, como em tudo que se refere à memória nacional, são garimpados com imensa dificuldades. Modestamente - e sem qualquer pretensão - em 1966, fizeram algumas pesquisas e anotações sobre os primeiros cinemas de Curitiba, publicadas numa série de reportagens de O ESTADO, que mereceram premiação em concurso promovido pela assessoria de imprensa da Prefeitura de Curitiba, então ocupada pela engenheiro Ivo Arzua Pereira. As reportagens foram rápidas anotações, dentro da agilidade que o jornalismo exige, apenas como pontos de partida para um estudo de maior fôlego que, roda-viva de mil compromissos profissionais e pessoais, nos obriga, a contragosto, adiar - e que teria um trabalho paralelo na área do teatro. Posteriormente, algumas outras pesquisas foram elaboradas por estagiários da Fundação Cultural de Curitiba, publicadas em modestos boletins, mas que vieram trazer novas luzes sobre um campo ainda à espera de um trabalho organizado e que possa resultar num livro documental. Agora, com a jornalista Lúcia Camargo, em tão boa hora escolhida para a direção executiva da Fundação Cultural de Curitiba, este trabalho poderá ser realizado. Professora do curso de comunicação social - inicialmente na Universidade Católica, agora na Universidade Federal do Paraná, trabalhando na área da pesquisa (tanto é que sua tese de pós-graduação em história será sobre o jornal << O 19 de Dezembro>), Lúcia tem uma visão honesta, inteligente e prática sobre a importância da documentação. Sem o radicalismo e provocações que, nos últimos anos, tem inimizado certos setores da FCC com todos aqueles que podem (e se dispõem) a com ela colaborar, a nova diretora da Fundação Cultural tem, mais do que ninguém, condições de fazer com que os recursos que a FCC dispõe (e que são significativos) possam resultar num real fosfato para a nossa história cultural. E que, em breve a revista << Fundação >> passe a ser, realmente, uma publicação com pesquisas e ensaios importantes para cidade - então espelho de literatice de intelectuais distantes da nossa cidade - e sua importância. Também a Secretaria da Cultura e do Esporte, onde a área editorial está entregue a uma das pessoas mais competentes - a professora Cassiana Licia Lacerda Carolo, se começa a ter bons resultados: as edições de << O 19 de Dezembro >>, << Galeria Paranaense >> e << O Paraná no Centenário >> de Rocga Pombo, foram exemplares formas de investimento cultural - muito mais importante do que milhões que se desperdiçam em promoções de discutíveis méritos. Para o segundo semestre e, especialmente, 1981, Cassiana - apoiando pelos colegas do conselho editorial e a boa vontade do secretário Luíz Roberto Soares, tem excelentes planos. Desde que a antropofagia cultural - esta tradição tão (infelizmente) paranaense - não atinja também o seu entusiasmo e idealismo, poderemos, afinal, sair do marasmo editorial e de pesquisa, ao qual o Paraná parece estar condenado há muitos anos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
19/07/1980

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