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Aramis

A Cultura e o Estado

Depois de permanecer ignorada durante toda a campanha do primeiro turno a Cultura, finalmente, começa a ser lembrada como ponto de discussão dos candidatos ao governo do Paraná. Ao contrário do que aconteceu em 1965, quando da campanha de Paulo Pimentel ao governo do Paraná, os artistas e intelectuais se posicionaram em atuantes comitês (já que o seu oponente, o professor Bento Munhoz da Rocha Neto tinha uma tradição na elite cultural paranaense) nas últimas eleições notou-se um enfraquecimento dos produtores (e consumidores) das artes e Cultura em termos de organização partidária. Há 25 anos, e os mais velhos lembram-se disto, tanto os comitês pró Paulo, como pró-Bento tinham estruturas e definições seguras em termos de propostas que embaçassem os planos de governo do vencedor. Eleito Paulo - e mantendo uma filosofia que seu antecessor, Ney Braga, havia implantado (desde seus tempos de Prefeito de Curitiba, quando idealizou e realizou um Festival de Cinema Brasileiro, em 1956) - importantes projetos foram realizados - Concurso Nacional de Contos, fortalecimento dos Cursos/Festivais Internacionais de Música etc., além de se dar prosseguimento as obras (paralisadas por anos) do grande auditório do Teatro Guaíra - que só não foi inaugurado em sua administração devido ao trágico incêndio que praticamente o destruiu. xxx Em sua segunda administração, uma das primeiras medidas do governador Ney Braga foi criar a Secretaria Estadual da Cultura desmembrando-a da Educação - da qual foi um apêndice por mais de 30 anos, desde que no governo Munhoz da Rocha ali foi criado o Departamento de Cultura, dirigido pelo professor Fernando Corrêa Azevedo - também um dos fundadores da Escola de Música e Belas Artes do Paraná e da (extinta) Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê. A presença de um advogado e ex-deputado de boa formação cultural, diplomático e inteligente, Luís Roberto Soares, na pasta durante todo o governo Ney Braga, revista hoje, uma década depois, mostra que os acertos superaram em muito as (pequenas) falhas daquele período. Em compensação, a pessoa que o sucedeu, no infeliz governo José Richa, conseguiu, em poucas semanas, a hostilidade dos nomes mais representativos da inteligência local, criou atritos, rompeu com pessoas que eram fiéis amigos de Richa (como o diretor de Teatro Oracy Gemba, hoje afastado do setor) e, fez aquela fase ficar como um período das trevas de ódios e perseguições. Escolhidas para um mandato tampão, na administração de João Elysio Ferraz de Campos, a professora Suzana Munhoz da Rocha Guimarães procurou recuperar a imagem da Secretaria, mas devido ao curto período em que ali esteve não pode desenvolver projetos maiores - embora tenha batalhado pela implantação do Museu de Arte do Paraná, projeto até hoje questionável. Jurista de renome nacional, professor universitário, ator de teatro em sua adolescência, René Dotti, vem desenvolvendo uma administração generosa, diversificada em várias frentes e cujo julgamento final e imparcial só poderá ser feito com o passar do tempo. Preocupou-se, entretanto no diálogo franco, no entendimento as diferentes correntes e, há quase 4 anos, não se vê conflitos maiores na área - graças sobretudo a sua habilidade. xxx E o futuro da Cultura, eis a questão? O perigo maior, felizmente, já foi afastado: se José Richa voltasse ao Poder, isto poderia corresponder a novas e infelizes escolhas, retaliações e vinganças pessoais, mergulhando novamente o setor de arte e criação no Paraná num campo de batalha - como foi em sua administração - e da qual, com independência, fomos críticos. Agora, a questão fica entre os candidatos José Carlos Martinez e Roberto Requião. Há quatro semanas - portanto antes das eleições do primeiro turno - já publicamos neste mesmo espaço um comentário analisando a questão e destacando que Roberto Requião, independente de qualquer posicionamento pessoal (embora mereça nosso respeito), já havia dado provas de que vê a Cultura - com simpatia. Além de uma boa formação ideológico-cultural - dois cursos superiores, devorador de livros, atualizadíssimo sempre - quando prefeito de Curitiba, manteve na Secretaria Municipal da Cultura/Fundação Cultural de Curitiba, o advogado Carlos Frederico Marés de Souza , - que para ali havia sido levado na administração Maurício Fruet. Pessoa íntegra, diplomático e bem educado, Marés conduziu a sua longa (7 anos) permanência no comando da cultura do município com um projeto definido, discutido em várias áreas da comunidade - o que inexiste na administração atual. Sabendo aceitar a crítica, procurando o diálogo, jamais colocando os questionamentos à sua administração como "ofensas pessoais" - ao contrário das senhoras que, infelizmente, ocupam hoje o setor - Marés teve uma administração com altos e baixos, mas absolutamente coerente. Preocupou-se em fazer com que a FUCUCU se voltasse a projetos populares, intensificou os Circos na periferia - com inúmeros projetos coordenados pelo ex-dominicano Paulo César Botas (hoje, com razão, um dos principais assessores da Secretaria, Marilena Chauí, na prefeitura de São Paulo) e teve iniciativas inéditas - como a implantação de rádios-comunitárias, através do sistema de alto-falantes, junto à vários bairros. Projeto que, foi triturado na atual gestão. Por inúmeras vezes aqui discordamos - e denunciamos mesmo - pontos questionáveis da gestão Marés, mas sempre num clima de entendimento cordial, inclusive com aquela liberdade junto ao prefeito Roberto Requião. Hoje, são inúmeras as pessoas que tendo acompanhado a sua administração - e sido inclusive críticos a ela - reconhecem seus pontos positivos, especialmente se comparados ao que vem acontecendo nos últimos 21 meses. Faltaria espaço para aqui alinhavar pontos que, infelizmente, estão comprometendo cada vez mais a administração Lerner, no aspecto Cultural - e os quais, sem qualquer razão pessoal, apenas exercendo nosso dever de jornalista independente e voltado às coisas da cidade, temos denunciado. Portanto, em termos de Cultura, em sua administração como Prefeito, Requião prestigiou uma filosofia definida, popular, com um ideário e pragmatismo democraticamente discutido. O que, possivelmente, fará em escala estadual, caso seja eleito. xxx Não conhecemos pessoalmente o candidato José Carlos Martinez nem o seu staff que estaria preparando o plano de governo e recomendado (sic) a extinção da várias unidades da área cultural dentro de uma reforma administrativa. Portanto, não podemos julgar, antecipadamente, um projeto que desconhecemos. Entretanto, o candidato do PRN tem sido, ao que parece, honesto ao anunciar publicamente sua disposição de enxugamento da máquina administrativa eliminado várias secretarias e organismos, o que significará, naturalmente desativação de projetos, sobretudo redução de pessoal. Espelhado no exemplo do presidente Collor, Martinez, ao que parece, tem idéias radicais em relação a participação do Estado no financiamento da indústria cultural e, dentro de sua coerência que o faz colorido desde a primeira hora, estará apenas transpondo para o Estado o que aconteceu no plano federal. Cabe, portanto, à classe artística-cultural - bem como ao funcionalismo dos (muitos) órgãos que, segundo anuncia, serão extintos, se posicionar a respeito. A princípio, ninguém alfabetizado e consciente apoia o fim de museus, teatros, Rádio e TV Educativa etc. - mas, e nisto concordamos, há necessidade de redefinir projetos, dar novas direções a certos setores, cortar financiamentos para produções elitistas etc. Isto faz ter um pensamento próprio a respeito, não necessitando de colocá-lo em manifestos ou volantes, como o que circulou na semana passada, com o nosso nome ali inscrito sem autorização formal. A cultura é uma área séria demais para ficar em retaliações. Precisa ser encarada e tratada de maneira adulta e responsável.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
30/10/1990

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