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Aramis

Amor e vida nas vozes de Marina, Libertad e Alaíde

Três cantoras, de diferentes gerações e origens, apresentando-se numa mesma semana, oferecem diversificadas oportunidades de se (re)apreciar/(re)ouvir os caminhos musicais em relação à criação-sensibilidade de comercialização. A estréia nacional da produção que a carioca Marina Lima, 32 anos, montou para o lançamento de seu 11º disco (o primeiro que faz na EMI-Odeon), cercado de tantas exigências de iluminação e sonoridade que retardou em um dia o espetáculo (na quarta-feira, reprisado quinta-feira) mostra uma intéprete-compositora moderna, asséptica, perfeita cantora e buscando instrumentalmente acompanhantes jovens para mostrar apenas composições novas, a maioria extraídas do produto, gravado e astutamente colocado à venda nesta semana. Glacial, frio, distante - mesmo os adolescentes que se identificam em sua modernidade e imagem de mulher-artista independente e assumida - estranharam a não inclusão de composições mais conhecidas, o que ela justificou como "coisas do passado, a preocupação é o presente e o futuro". Para Marina Lima - como várias outras artistas deste final de década - a modernidade e o marketing do consumo superam qualquer afeto a sensibilidade do passado, propondo - e isto até entende-se - um novo romantismo desglamorizado, sem açúcar (afeto) dentro de tempos em que, realmente, a brutalidade do dia a dia faz com que se encare uma poesia mais contemplativa como algo quadrado e ineficiente na busca de um sucesso imediato. Uma cantora yuppie, sabendo usar o seu tipo físico, inteligente para tentar se equilibrar na prancha deste surf selvagem que é o show business. xxx Do outro extremo, uma figura maternal, com imagem de bisavó da geração que lotou o Guaíra na quarta e quinta-feira (e que, neste sábado, jamais ali apareceria) é a argentina Libertad Lamarque, 82 anos a serem completados no próximo dia 24 de novembro, argentina de Rosário, quase 70 de vida artística) em música e cinema - que com tangos & boleros, num repertório que cobre milhares de gravações desde que, em 1927, na RCA argentina fez um 78 rpm com "Gaúcho Sol" e "Chilenito" (apesar de sua imensa discografia, em catálogo existem apenas em dois lançamentos da curitibana Revivendo - o elepê "A Dama do Tango", e o CD "Tangos", que estarão à venda hoje no Guaíra). Como o lamarqueano Christo Dikoff, 45 anos, assessor da Fundação Teatro Guaíra e que considera Libertad a maior cantora de todos os tempos, contou no belo e apaixonado texto ("Almanaque", 3/10/91, a "Noiva da Argentina" deixou seu Buenos Aires querido em 1947, quando a ex-rival de shows Eva Duarte tornou-se Evita Peron e ao mesmo tempo que era adorada pelos descamisados passava a perseguí-la de forma nazista. Libertad fez jus ao nome e foi viver no México, onde entre dramalhões e musicais (três deles, trazidos nesta semana para exibição no auditório do Goethe Institut, com lotação total) chegou até a fazer um filme dirigido pelo bruxo genial Luís Buñuel. Esta Libertad Lamarque - numa mostra de vitalidade octogenária - que se espera, bem mais jovial do que foi a melancólica passagem de outra diva hispânica dos anos 50, há alguns anos (Sarita Montiel), hoje à noite, para uma faixa de público acima dos 45 anos, estará desfilando um repertório que fala dos temas eternos - que, entretanto, encontram diferentes formas de serem (re)ditos - amor, infidelidade, encontros, desencontros, vida e morte. xxx Entre a modernidade asséptica e fria de Marina e a nostalgia de Libertad Lamarque, a carioca Alaíde Costa (Silveira), 56 anos a serem completados no próximo dia 8 de dezembro, traz o melhor da Bossa Nova através da revisitação da obra do maior compositor brasileiro deste (e outros) movimentos, o igualmente carioca Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, às vésperas dos 65 anos (a serem completados em 25 de janeiro de 92). Num espetáculo ao estilo pocket-show que marcou o surgimento da Bossa Nova no início dos anos 60 - e que durante semanas atraiu um público fervoroso no Cult Crowne, em São Paulo, Alaíde mostra toda sua ternura vocal, que a faz uma intérprete única dentro de nossa música brasileira. Com 32 anos de carreira - aos 13 anos vencia um concurso de melhor cantora infantil, promovido por Paulo Gracindo em seu programa Seqüência G3, da Tupi do Rio de Janeiro, e no ano seguinte participou do Arraia Miúda, apresentado por Renato Murce, na Rádio Nacional, Alaíde nunca parou de cantar. Passou por programas de calouros ("A Hora do Pato", "Pescando Estrelas"), em 57 gravou seu primeiro 78 rpm ("Conselho"/"Domingo de Amor"), que ouvido por João Gilberto fez com que o baiano a convidasse para cantar com o novo grupo e em 1959 gravasse em seu primeiro lp ("Alaíde Canta Suavemente", RCA), jóias como "Estrada Branca" (Tom/Vinícius) e "Lobo Bobo" (Carlos Lira/Ronald Bôscoli) e "Minha Saudade" (João Donato/João Gilberto). Falar de Alaíde na fase da Bossa Nova é tarefa para Rui Castro - que a ela dedica, merecidamente, centenas de linhas em seu "Chega de Saudade". Na fase dos festivais, também foi cantora de destaque e basta lembrar "Onde está Você?" (Oscar Castro Neves/Luverci Fiorini). Com menos discos gravados do que merecia, às vezes esquecida de público e raramente aparecendo na televisão, Alaíde é a presença maior neste fim de semana musical e aplaudi-la, em pé, no Teatro do Paiol, é obrigação de quem sabe amar o que o Brasil tem de melhor, mais digno, terno e belo em sonoridade musical.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
20
05/10/1991

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